“A maior parte de meus pareceres é acatada pelo TRF, sempre a favor do humilde e do oprimido, e contra o opressor”. Veja a entrevista com Luiz Francisco Fernandes de Souza.

Leitor de Cícero, Sêneca, dos Santos Padres e notadamente da Bíblia Sagrada, Luiz Francisco se considera um socialista católico. Para ele, Marx e Engels, e principalmente Stálin, distorceram o socialismo (…), que, segundo ele,  não é originalmente “estatização de todos os bens e muito menos ditaduras”.

Ícone do combate à corrupção nos altos círculos de Brasília durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e conhecido por ter trabalhado em processos criminais abertos contra o ex-deputado federal Hildebrando Pascoal, Luiz foi promovido por antiguidade à Procuradoria Regional da 1ª Região em 2004, onde busca “ajudar pessoas pobres e mover o Estado contra criminosos ricos”.

Avesso a qualquer tipo de turismo, nosso entrevistado — também conhecido por sua simplicidade — encontra seu lugar na convivência com pessoas humildes na Ceilândia, no Guará, no Bandeirante, em Brasília.

Homem de hábitos frugais e preocupado com a saúde, frequenta a academia de ginástica e não nega conselhos de alimentação a quem lhos pede. Luiz Francisco é o Dom Quixote do Planalto Central, sempre pronto — ninguém pode negar — para defender seu próprio ideal de justiça social.

Veja nossa interessante entrevista com o procurador regional Luiz Francisco, em nosso 18º encontro.

O jornalista Augusto Nunes, da Veja, escreve sobre você com alguma frequência, geralmente fazendo referência ao que ele entende como uma paralisação de sua atuação profissional contra a corrupção nos altos círculos do Governo Federal após a eleição de 2002. Essas notícias o incomodam? Você gostaria de explicar o que realmente aconteceu?

Perfeitamente. Em 2002, o Cláudio Fonteles, então procurador-geral, me telefonou e disse que eu podia me promover por merecimento. Eu então rejeitei. Fui para Portugal para fazer um mestrado que podia ser transformado em doutorado. Porém, chegando a Lisboa, estudei onze dias e vi que os estudos seriam inúteis para o meu trabalho. Por isso, renunciei ao mestrado e voltei. Cuidei da CPI do Banestado e do caso contra o presidente do BACEN no governo Lula. E lutei por mais verbas para a educação. Até que eu fui promovido por antiguidade, em 2004. Tirei noventa dias de licença-prêmio e trabalhei todos os dias, para deixar limpo o gabinete, e me tornei procurador regional. Foi isso o que aconteceu. Na Regional, não podia mais abrir investigações e nem ficar com elas. Desde 2004, tenho excelente estatística e sempre trabalhei duramente para ajudar pessoas pobres e para mover o Estado contra criminosos ricos. O tal Augusto Nunes é bancado pelos anúncios das multinacionais. Não tem estofo ético para me criticar.

Com o que você tem trabalhado hoje na PRR1? Sente-se realizado com o trabalho?

Estou, sim, muito realizado. Tenho 31 anos de serviço público. Se o tempo extra da PEC de 98, que mudou o tempo de aposentadoria de trinta para 35 anos, for contado posso me aposentar daqui a uns quatro anos e pouco. A maior parte de meus pareceres é acatada pelo TRF, sempre a favor do humilde e do oprimido, e contra o opressor.

Eu me lembro que você esteve na Faculdade de Direito da UFMG em 2000 para uma palestra dirigida aos universitários. Eu, ainda estudante, estava na plateia. Naquela época, Luiz, você era um verdadeiro modelo de atuação para os jovens ‘idealistas’ que sonhavam em entrar no Ministério Público. Hoje, temos divergências praticamente inconciliáveis sobre parte das questões mais sérias de nossas vidas. Você concorda com Churchill, quando ele disse que quem não é socialista aos vinte anos não tem coração; e que quem continua a sê-lo aos cinquenta não tem inteligência?

Não concordo com essa conclusão de Winston Churchill. Ele era belicista, imperialista e neoliberal. Não é exemplo para ninguém. Tenho 52 anos, sou socialista católico, como era Alceu Amoroso Lima, como era Charles de Gaulle, que tem textos lindos de católico contra o imperialismo e o capitalismo — e outros. Ser socialista é ser favorável a uma economia mista, sem miséria, sem grandes fortunas privadas. O modelo da Bíblia, de Aristóteles, dos estóicos, dos Santos Padres. Odeio o capitalismo, o imperialismo e o latifúndio. E odeio também o capital monopolista privado. Eu tenho coração e inteligência e espero morrer como socialista católico.

Eu compreendo sua opção pelo socialismo… Mas, na sua opinião, o que aconteceria se pessoas como Margaret Thatcher, Winston Churchill, Ronald Reagan e os ‘fonding fathers’ americanos governassem todas as nações do planeta por cinquenta anos?

O mundo seria destruído. Pelo amor de Deus! O mundo iria bem se fosse governado por gente como Franklin Delano Roosevelt e outros. Reagan e Thatcher são pessoas banhadas em sangue, como assassinos, e o mesmo vale para Bush e outros.

Você foi seminarista da Ordem dos Jesuítas, não é? O que o modo jesuíta de viver a fé tem a ensinar aos demais cristãos de hoje e à sociedade de um modo geral?

Sim, fui. Ainda sigo em muitos pontos os textos e exemplos de Santo Inácio de Loyola, especialmente a forma de fazer escolhas, dos Exercícios Espirituais, e regras sobre a vida, da autobiografia de Santo Inácio. Tenho muito amor à Igreja e principalmente aos Jesuítas, mas também aos Franciscanos, Dominicanos, Agostinianos e outros.

Ainda sobre esse assunto, um comentarista disse de seu livro ‘Socialismo: uma utopia cristã’ que nele você “mostra de modo convincente que até a metade do século XIX o socialismo ostentava uma clara inspiração religiosa, especialmente cristã” e que “só depois do Manifesto de Marx e Engels é que o socialismo se afastou de suas fontes religiosas.” Na sua opinião, foi Karl Marx e Friedrich Engels que distorceram o Socialismo?

Marx e Engels, e principalmente Stálin, distorceram o socialismo. Socialismo é economia mista, com democracia política, cultural, econômica, difusão de bens, erradicação da miséria e das grandes fortunas privadas. Não é estatização de todos os bens e muito menos ditaduras.

Você se definiu como ‘socialista católico’. Acredita que o Socialismo compreendeu melhor que a Igreja a boa nova de Jesus Cristo?

Veja. Eu sigo a Doutrina Social da Igreja, numa versão que é chamada de socialismo católico. Sigo os ensinamentos da Igreja, e não de Marx, Engels, Lênin ou Stálin. Tenho ampla leitura sobre estes temas e sei distinguir o joio do trigo. Sou acima de tudo católico, e espero morrer assim, com a ajuda de Deus.

A propósito, os regimes comunistas mataram, no século XX, cerca de 100 milhões de pessoas. Nenhum regime comunista foi democrático. Diante disso, você se inclina a favor do livre mercado? O liberalismo econômico, limitado pela intervenção estatal moderada, não é o melhor regime já encontrado até hoje?

Eu sou contra o liberalismo econômico. Sou favorável à difusão de bens e a que todos tenham propriedades privadas. Mas seu uso deverá ser controlado pela ética e pelo Estado, como ensinaram Leão XIII, Pio XI, João XXIII, Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e também o Papa Francisco. Tenho veneração por todos os papas.

O governo de Cuba tem muita proximidade ideológica com personagens nacionais que estão entre os seus preferidos. Você já disse que é necessário que haja democracia e multipartidarismo em Cuba hoje. Acredita que o regime ditatorial de Fidel Castro foi um passo necessário a uma futura e eventual abertura política? Qual é o legado de Fidel Castro para o povo cubano?

O regime ditatorial em Cuba é errado. Deve haver democracia lá, tal como difusão da pequena e média propriedade. Estas são as lutas da Igreja lá, que eu apoio. Gosto de Fidel Castro como guerreiro que combateu o imperialismo. Fidel é pessoa inteligente. Nunca elogiei a falta de democracia e a falta de difusão de bens, pois Deus fez os bens para todos.

Mudando de assunto, Luiz, onde você passou sua infância? Lembra-se de ter sofrido, você, seus pais ou parentes próximos, com a ditadura militar?

Nasci em Brasília. Meu pai era homem pobre, forte, muito inteligente e veio entre os trinta mil que construíram Brasília, como candango. Vivi até os dezesseis anos na Vila Planalto, que era três vezes maior que hoje, tudo em madeira, muito pobre. Minha família não foi perseguida pela ditadura, exceto o General Bragança de Goiânia — não confundir com o General Bragança de MG. O General Bragança de Goiânia é de minha família, parente distante de minha falecida avó e muito amigo de meu falecido pai. Ele foi perseguido pela ditadura. Morreu com mais de noventa anos e jogava xadrez comigo. Além disso, uma família vizinha à nossa teve um filho preso em 1976. Participei de atos da Igreja, especialmente com os Capuchinhos, para soltar o coitado. Minha tia-avó, irmã de minha falecida avó, é freira, professora, de esquerda, como eu.

Quem são, na sua visão, os três maiores artistas de todos os tempos?

Eu sou ótimo em filosofia, literatura, história, economia etc, mas ruim em artes. Gosto de Michelangelo, Beethoven e Leonardo da Vinci, três bons católicos, a meu ver. Gosto de Victor Hugo. Mas gosto principalmente da Bíblia.

Onde o Luiz encontra seu lugar em Brasília? Viaja com frequência?

Eu só convivo com gente pobre, na Ceilândia, no Guará, no Bandeirante. E praticamente nunca viajo, pois odeio turismo.

Você lê com frequência escritores catalogados como ‘conservadores’: G. K. Chesterton, Platão, Cícero, Churchill. Para o filósofo Roger Scruton, “[c]onservadorismo significa encontrar o que você ama e agir para proteger isso. A alternativa é encontrar o que você odeia e tentar destruir”. Você concorda com ele? Acha que a sanha de destruir as coisas é uma constante da alma humana?

Chesterton não era conservador, era distributivista, como eu sou. O mesmo para Platão, Aristóteles e os estóicos. Já li bons textos de Churchill sobre a guerra, pois tenho boa leitura sobre estes temas, mas nunca gostei de Churchill. Tenho verdadeira veneração por Cícero, e mais ainda por Sêneca. Quem quer destruir é o Diabo, com os neoliberais. Eu quero ajudar Deus no esforço de criação e renovação do universo, como ensina a boa teologia.

O Brasil tem demonstrado desempenho insuficiente nos mais variados testes internacionais de educação. Você vê relação entre esse desempenho e a pedagogia de Paulo Freire? Em outras palavras, Paulo Freire é culpado pela má-educação dos brasileiros?

Paulo Freire foi o maior educador do Brasil. Não tem culpa alguma pela má educação. A culpa pela má educação é dos liberais.

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“Espero que a educação, finalmente desideologizada do forte conteúdo marxista e esquerdista, possa ser a construtora das virtudes nacionais e sociais que um dia acreditamos que construiríamos à base de ações civis públicas”. Veja a entrevista com Paulo Jacobina.

“Eu tenho liberdade em ti. Anoiteço feito um bairro, sem brilho algum”. Pela voz de Mário de Andrade, é assim que Paulo Jacobina descreve sua relação com o trabalho hoje. “A PRR1 ocupa um lugar importantíssimo, mas o lugar de trabalho, mesmo”.

Acreditando que os ataques à figura paterna e o ódio que lhe dirigimos hoje, em nossa sociedade, prejudicam a relação que travamos com o próprio Deus, Paulo reconhece que “aprender a ser filho de Deus me devolveu a possibilidade de ser um pai melhor, como também de ser um filho melhor”. Que bela trajetória!

Em seu caminho de volta à Igreja, viu-se afastando-se de si mesmo, até que se reencontrou “numa dimensão muito mais profunda e feliz”. Acredita que o Cristianismo não esteja hoje diante de um desafio de converter as multidões, mas de um “desafio qualitativo para um Cristianismo mais autêntico. Que é absolutamente necessário, hoje mais do que nunca”.

Autor de ‘Cartas a Probo’, livro que se propõe a ser uma conversa cristã sobre o Espiritismo, Jacobina escreve artigos de apologética cristã e ministra palestra sobre Cristianismo e história das ideias.

De Brasília, concedeu-nos a sétima entrevista da série. Sem dúvida, eis um interessantíssimo ‘dedo de prosa’. Sente-se que o pão-de-queijo está servido…

A história do Ministério Público nas décadas de 80 e 90 é a história da conquista de garantias institucionais e de instrumentos processuais que o constituíram com uma das forças públicas mais atuantes na história recente do Brasil. Alguns ícones dessa geração convivem hoje com colegas recém-empossados, dos quais estão separados por até duas gerações. Acredita que a geração que construiu o MPF da primeira década pós-Constituição consolidou uma certa tradição? Se sim, essa tradição foi ou vem sendo transmitida com sucesso às novas gerações?

Sem dúvida, era uma época mais sonhadora e solta; havia muito para construir. E muito foi construído. Havíamos saído de uma época com restrições democráticas intensas, e o Ministério Público foi depositário de grandes esperanças sociais. Mas muito erramos também: muito individualismo e voluntarismo, muita ideologização, poucos resultados práticos. Aprendemos muito, trabalhamos muito, construímos um pouco. Erramos muito, mas também isso é bom: só erra quem ousa fazer.

Que lugar o trabalho na PRR1 ocupa na sua vida hoje, Paulo?

A PRR1 ocupa um lugar importantíssimo, mas o lugar de trabalho, mesmo. Houve um tempo em que eu depositava todas as dimensões da minha realização pessoal aqui; hoje, depois de 22 anos de ministério público, é bastante claro para mim que a paixão dos primeiros tempos tem que ser substituída por essa amizade de longa duração que caracteriza os verdadeiros amores. Lembro-me de um velho poema de Mário de Andrade, que talvez descreva bem minha relação com a PRR1:

Gosto de estar a teu lado,
Sem brilho.
Tua presença é uma carne de peixe,
De resistência mansa e de um branco
Ecoando azuis profundos.

Eu tenho liberdade em ti.
Anoiteço feito um bairro,
Sem brilho algum.

Estamos no interior duma asa
Que fechou.

Provavelmente você concorda que os seus quatro antigos fantasminhas (Freud, Marx, Darwin e Kardec) não tornaram o mundo um lugar melhor. Tornaram-no, pelo menos, mais interessante?

Sem dúvida, todo pensador que ousa pensar profundamente faz o mundo ficar mais interessante. Estes quatro foram responsáveis pela criação de quatro religiões (ou talvez de uma grande religião laicista) em que o Deus pessoal do cristianismo foi substituído por alguma força sobre-humana que eles tentaram dominar em prol do que eles acreditavam que seria uma humanidade melhor. Freud com a pulsão sexual, Marx e a economia, Darwin e a evolução, Kardec e a reencarnação gnóstica. Só lamento que a aparente sofisticação dos sistemas que eles construíram tenham me mantido afastado por tanto tempo daquele Deus que me marcou a infância, e que me marca agora a maturidade, o mesmo de quem Blaise Pascal disse: “Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacob e não dos filósofos e dos sábios” . Foi preciso que Deus gritasse alto para que minha surdez fosse rompida, pois os tampões desses quatro pensadores são bastante eficientes.

A propósito, o Frei Irmão Tomás de Jesus, personagem de ‘Cartas a Probo’ é fruto de usa imaginação fértil ou é um homem de carne e osso? Nesse último caso, ainda hoje se correspondem?

Na verdade, ele é a face literária de algumas pessoas, em especial de um jovem religioso que rezou muito por mim, e que hoje, tendo retornado à vida laica, é quase como um filho. Seu nome religioso era Irmão Cássius, seu nome civil é Léo, e ele me ajudou muito. Também uma querida irmã em Cristo, Letícia, foi suporte de oração e direção para mim neste caminho. Um sacerdote colombiano sapientíssimo e preparadíssimo, pe. Carlos Hernandes, e a minha própria esposa, que sempre caminhou serenamente na fé enquanto eu me desviava em toda esquina que me aparecia, faz parte desta figura literária. Mas a maior parte das cartas foram matéria que eu próprio pesquisei para responder a antigos companheiros de gnose que me interpelavam a cada momento no caminho da conversão.

Jesus Cristo disse ter vindo colocar dissensão entre pai e filho e entre filha e mãe (Mt 10:35). Por outro lado, insiste no quarto mandamento (‘honra teu pai e tua mãe’ – Mc 10:19 e Mt 19:19). Em que sentido o quarto mandamento pode encontrar seu maior rendimento espiritual?

Para o nosso mundo, talvez a figura mais atacada, mais odiada e desconstruída seja a figura do pai… Como entender o Pai eterno num mundo para quem a figura paterna não significa mais nada? Jesus dizia: “Se vocês não creem quando falo das coisas deste mundo, como vão crer se eu falar das coisas do céu?” Portanto, a analogia é necessária, se queremos realmente viver a fé.

Para mim, aprender a ser filho de Deus me devolveu a possibilidade de ser um pai melhor, como também de ser um filho melhor, mas não sem passar antes pela angústia de querer converter a todo custo a minha família… hoje estou bem mais tranquilo, e sigo caminhando, e a todo momento me surpreendo quando as pessoas da família me perguntam um pouco sobre a minha caminhada de fé com genuína curiosidade. Somente lamento não ter vivido isto há mais tempo, para ter sido um pai melhor para meus filhos e um filho melhor para meus pais.

Cristo sempre bate à nossa porta. Assim com eu próprio, você também retornou à Igreja após muitos anos de procura. Consegue identificar os momentos em que as batidas foram mais fortes? O que finalmente o convenceu de que valia a pena recebê-lo em sua casa?

Alguns milagres muito fortes me ocorreram no processo de retorno, daquele tipo que não é muito visível para quem não os vive. Pude sair de uma depressão profunda sem nenhum auxílio químico, curei algumas desordens no campo do relacionamento interpessoal, voltei a poder sair da cama todo dia com alegria. De certa forma, no processo de voltar à Igreja, eu me afastei de mim mesmo, e me reencontrei numa dimensão muito mais profunda e feliz. Pude experimentar, na prática, o que significa dizer que a fé, a esperança e a caridade são virtudes teologais: é que elas são dons, não conquistas pessoais. Comigo foi assim.

Qual é a sua opinião sobre o que disse o Papa Bento XVI, então cardeal em 1996: ‘[t]alvez tenhamos de nos despedir das ideias existentes de uma Igreja de massas. Estamos possivelmente perante uma época diferente e nova da história da Igreja. Nela, o Cristianismo voltará a estar sob o signo do grão de mostarda, em pequenos grupos, aparentemente sem importância, mas que vivem intensamente contra o Mal e trazem o Bem para o mundo; que deixam Deus entrar‘. (Sal da Terra, um diálogo com Peter Seewald)?

Eu gostaria que o Papa estivesse errado, e que o Cristianismo fosse realmente a luz do mundo e o sal da terra também para as nações e as multidões. Mas acho que o chamado dele não é, como pareceria numa leitura apressada, um reconhecimento de falência numérica, quantitativa, mas um desafio qualitativo para um Cristianismo mais autêntico. Que é absolutamente necessário, hoje mais do que nunca.

Paulo, como você convenceria um agricultor do interior do país de que vale a pena investir R$ 6,1 bilhões anuais (segundo a nossa proposta orçamentária para 2015) no funcionamento do Ministério Público Federal?

Ufa, eu espero jamais precisar fazer isto. Espero que chegue logo o dia em que isto não seja necessário. Sonho com um Brasil em que a educação, finalmente desideologizada do forte conteúdo marxista e esquerdista que tem hoje, possa realmente ser a construtora das virtudes nacionais e sociais que nós um dia acreditamos que construiríamos à base de ações civis públicas e de improbidade. Que os professores sejam mais eficazes que os promotores, e que as salas de aula sejam mais prestigiadas que as cadeias… Enquanto isso, com todos os problemas ideológicos que também nos contaminam, ainda somos importantes no caminho da cidadania, e somente isto pode justificar este orçamento. Com a grande responsabilidade que ele nos dá em contrapartida…

Aproveitando a metáfora de Antoine de Saint-Exupéry, se você sobrevoasse o Brasil à noite, que ‘pequenas luzes perdidas na planície’ lhe seriam mais interessantes hoje? Por quê?

Pode parecer um chavão, mas me interessam as luzes do amor, do verdadeiro amor, aquele que, segundo Bento XVI, “tornou-se hoje uma das palavras mais usadas e mesmo abusadas, à qual associamos significados completamente diferentes.”

Falo aqui do amor no sentido daquela força que nos tira de dentro de nós mesmos, que nos “converte” verdadeiramente. Deixar de ser Deus para si mesmo, encontrar o outro e encontrar a Deus, aquele que paradoxalmente é o “totalmente outro” e “é mais íntimo de mim do que eu mesmo…”

A primeira e maior conversão passa por uma abertura da razão humana ao verdadeiro amor: Uma razão que admite a existência efetiva das coisas e que não considera a si mesmo como Deus pode facilmente deixar-se conduzir à fé, e transformar-se num pequeno luzeiro na escuridão…

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