“A maior parte de meus pareceres é acatada pelo TRF, sempre a favor do humilde e do oprimido, e contra o opressor”. Veja a entrevista com Luiz Francisco Fernandes de Souza.

Leitor de Cícero, Sêneca, dos Santos Padres e notadamente da Bíblia Sagrada, Luiz Francisco se considera um socialista católico. Para ele, Marx e Engels, e principalmente Stálin, distorceram o socialismo (…), que, segundo ele,  não é originalmente “estatização de todos os bens e muito menos ditaduras”.

Ícone do combate à corrupção nos altos círculos de Brasília durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e conhecido por ter trabalhado em processos criminais abertos contra o ex-deputado federal Hildebrando Pascoal, Luiz foi promovido por antiguidade à Procuradoria Regional da 1ª Região em 2004, onde busca “ajudar pessoas pobres e mover o Estado contra criminosos ricos”.

Avesso a qualquer tipo de turismo, nosso entrevistado — também conhecido por sua simplicidade — encontra seu lugar na convivência com pessoas humildes na Ceilândia, no Guará, no Bandeirante, em Brasília.

Homem de hábitos frugais e preocupado com a saúde, frequenta a academia de ginástica e não nega conselhos de alimentação a quem lhos pede. Luiz Francisco é o Dom Quixote do Planalto Central, sempre pronto — ninguém pode negar — para defender seu próprio ideal de justiça social.

Veja nossa interessante entrevista com o procurador regional Luiz Francisco, em nosso 18º encontro.

O jornalista Augusto Nunes, da Veja, escreve sobre você com alguma frequência, geralmente fazendo referência ao que ele entende como uma paralisação de sua atuação profissional contra a corrupção nos altos círculos do Governo Federal após a eleição de 2002. Essas notícias o incomodam? Você gostaria de explicar o que realmente aconteceu?

Perfeitamente. Em 2002, o Cláudio Fonteles, então procurador-geral, me telefonou e disse que eu podia me promover por merecimento. Eu então rejeitei. Fui para Portugal para fazer um mestrado que podia ser transformado em doutorado. Porém, chegando a Lisboa, estudei onze dias e vi que os estudos seriam inúteis para o meu trabalho. Por isso, renunciei ao mestrado e voltei. Cuidei da CPI do Banestado e do caso contra o presidente do BACEN no governo Lula. E lutei por mais verbas para a educação. Até que eu fui promovido por antiguidade, em 2004. Tirei noventa dias de licença-prêmio e trabalhei todos os dias, para deixar limpo o gabinete, e me tornei procurador regional. Foi isso o que aconteceu. Na Regional, não podia mais abrir investigações e nem ficar com elas. Desde 2004, tenho excelente estatística e sempre trabalhei duramente para ajudar pessoas pobres e para mover o Estado contra criminosos ricos. O tal Augusto Nunes é bancado pelos anúncios das multinacionais. Não tem estofo ético para me criticar.

Com o que você tem trabalhado hoje na PRR1? Sente-se realizado com o trabalho?

Estou, sim, muito realizado. Tenho 31 anos de serviço público. Se o tempo extra da PEC de 98, que mudou o tempo de aposentadoria de trinta para 35 anos, for contado posso me aposentar daqui a uns quatro anos e pouco. A maior parte de meus pareceres é acatada pelo TRF, sempre a favor do humilde e do oprimido, e contra o opressor.

Eu me lembro que você esteve na Faculdade de Direito da UFMG em 2000 para uma palestra dirigida aos universitários. Eu, ainda estudante, estava na plateia. Naquela época, Luiz, você era um verdadeiro modelo de atuação para os jovens ‘idealistas’ que sonhavam em entrar no Ministério Público. Hoje, temos divergências praticamente inconciliáveis sobre parte das questões mais sérias de nossas vidas. Você concorda com Churchill, quando ele disse que quem não é socialista aos vinte anos não tem coração; e que quem continua a sê-lo aos cinquenta não tem inteligência?

Não concordo com essa conclusão de Winston Churchill. Ele era belicista, imperialista e neoliberal. Não é exemplo para ninguém. Tenho 52 anos, sou socialista católico, como era Alceu Amoroso Lima, como era Charles de Gaulle, que tem textos lindos de católico contra o imperialismo e o capitalismo — e outros. Ser socialista é ser favorável a uma economia mista, sem miséria, sem grandes fortunas privadas. O modelo da Bíblia, de Aristóteles, dos estóicos, dos Santos Padres. Odeio o capitalismo, o imperialismo e o latifúndio. E odeio também o capital monopolista privado. Eu tenho coração e inteligência e espero morrer como socialista católico.

Eu compreendo sua opção pelo socialismo… Mas, na sua opinião, o que aconteceria se pessoas como Margaret Thatcher, Winston Churchill, Ronald Reagan e os ‘fonding fathers’ americanos governassem todas as nações do planeta por cinquenta anos?

O mundo seria destruído. Pelo amor de Deus! O mundo iria bem se fosse governado por gente como Franklin Delano Roosevelt e outros. Reagan e Thatcher são pessoas banhadas em sangue, como assassinos, e o mesmo vale para Bush e outros.

Você foi seminarista da Ordem dos Jesuítas, não é? O que o modo jesuíta de viver a fé tem a ensinar aos demais cristãos de hoje e à sociedade de um modo geral?

Sim, fui. Ainda sigo em muitos pontos os textos e exemplos de Santo Inácio de Loyola, especialmente a forma de fazer escolhas, dos Exercícios Espirituais, e regras sobre a vida, da autobiografia de Santo Inácio. Tenho muito amor à Igreja e principalmente aos Jesuítas, mas também aos Franciscanos, Dominicanos, Agostinianos e outros.

Ainda sobre esse assunto, um comentarista disse de seu livro ‘Socialismo: uma utopia cristã’ que nele você “mostra de modo convincente que até a metade do século XIX o socialismo ostentava uma clara inspiração religiosa, especialmente cristã” e que “só depois do Manifesto de Marx e Engels é que o socialismo se afastou de suas fontes religiosas.” Na sua opinião, foi Karl Marx e Friedrich Engels que distorceram o Socialismo?

Marx e Engels, e principalmente Stálin, distorceram o socialismo. Socialismo é economia mista, com democracia política, cultural, econômica, difusão de bens, erradicação da miséria e das grandes fortunas privadas. Não é estatização de todos os bens e muito menos ditaduras.

Você se definiu como ‘socialista católico’. Acredita que o Socialismo compreendeu melhor que a Igreja a boa nova de Jesus Cristo?

Veja. Eu sigo a Doutrina Social da Igreja, numa versão que é chamada de socialismo católico. Sigo os ensinamentos da Igreja, e não de Marx, Engels, Lênin ou Stálin. Tenho ampla leitura sobre estes temas e sei distinguir o joio do trigo. Sou acima de tudo católico, e espero morrer assim, com a ajuda de Deus.

A propósito, os regimes comunistas mataram, no século XX, cerca de 100 milhões de pessoas. Nenhum regime comunista foi democrático. Diante disso, você se inclina a favor do livre mercado? O liberalismo econômico, limitado pela intervenção estatal moderada, não é o melhor regime já encontrado até hoje?

Eu sou contra o liberalismo econômico. Sou favorável à difusão de bens e a que todos tenham propriedades privadas. Mas seu uso deverá ser controlado pela ética e pelo Estado, como ensinaram Leão XIII, Pio XI, João XXIII, Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e também o Papa Francisco. Tenho veneração por todos os papas.

O governo de Cuba tem muita proximidade ideológica com personagens nacionais que estão entre os seus preferidos. Você já disse que é necessário que haja democracia e multipartidarismo em Cuba hoje. Acredita que o regime ditatorial de Fidel Castro foi um passo necessário a uma futura e eventual abertura política? Qual é o legado de Fidel Castro para o povo cubano?

O regime ditatorial em Cuba é errado. Deve haver democracia lá, tal como difusão da pequena e média propriedade. Estas são as lutas da Igreja lá, que eu apoio. Gosto de Fidel Castro como guerreiro que combateu o imperialismo. Fidel é pessoa inteligente. Nunca elogiei a falta de democracia e a falta de difusão de bens, pois Deus fez os bens para todos.

Mudando de assunto, Luiz, onde você passou sua infância? Lembra-se de ter sofrido, você, seus pais ou parentes próximos, com a ditadura militar?

Nasci em Brasília. Meu pai era homem pobre, forte, muito inteligente e veio entre os trinta mil que construíram Brasília, como candango. Vivi até os dezesseis anos na Vila Planalto, que era três vezes maior que hoje, tudo em madeira, muito pobre. Minha família não foi perseguida pela ditadura, exceto o General Bragança de Goiânia — não confundir com o General Bragança de MG. O General Bragança de Goiânia é de minha família, parente distante de minha falecida avó e muito amigo de meu falecido pai. Ele foi perseguido pela ditadura. Morreu com mais de noventa anos e jogava xadrez comigo. Além disso, uma família vizinha à nossa teve um filho preso em 1976. Participei de atos da Igreja, especialmente com os Capuchinhos, para soltar o coitado. Minha tia-avó, irmã de minha falecida avó, é freira, professora, de esquerda, como eu.

Quem são, na sua visão, os três maiores artistas de todos os tempos?

Eu sou ótimo em filosofia, literatura, história, economia etc, mas ruim em artes. Gosto de Michelangelo, Beethoven e Leonardo da Vinci, três bons católicos, a meu ver. Gosto de Victor Hugo. Mas gosto principalmente da Bíblia.

Onde o Luiz encontra seu lugar em Brasília? Viaja com frequência?

Eu só convivo com gente pobre, na Ceilândia, no Guará, no Bandeirante. E praticamente nunca viajo, pois odeio turismo.

Você lê com frequência escritores catalogados como ‘conservadores’: G. K. Chesterton, Platão, Cícero, Churchill. Para o filósofo Roger Scruton, “[c]onservadorismo significa encontrar o que você ama e agir para proteger isso. A alternativa é encontrar o que você odeia e tentar destruir”. Você concorda com ele? Acha que a sanha de destruir as coisas é uma constante da alma humana?

Chesterton não era conservador, era distributivista, como eu sou. O mesmo para Platão, Aristóteles e os estóicos. Já li bons textos de Churchill sobre a guerra, pois tenho boa leitura sobre estes temas, mas nunca gostei de Churchill. Tenho verdadeira veneração por Cícero, e mais ainda por Sêneca. Quem quer destruir é o Diabo, com os neoliberais. Eu quero ajudar Deus no esforço de criação e renovação do universo, como ensina a boa teologia.

O Brasil tem demonstrado desempenho insuficiente nos mais variados testes internacionais de educação. Você vê relação entre esse desempenho e a pedagogia de Paulo Freire? Em outras palavras, Paulo Freire é culpado pela má-educação dos brasileiros?

Paulo Freire foi o maior educador do Brasil. Não tem culpa alguma pela má educação. A culpa pela má educação é dos liberais.

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Entrevista com André Dias: “O julgamento da Ação Penal n. 470 deixou uma grande lição ao Ministério Público: jamais devemos nos omitir em adotar todas as medidas processuais que estejam ao nosso ao alcance”.

Criado em Pirapora, MG, André tem uma relação de amor profundo com o Rio São Francisco e uma infância repleta de boas lembranças: “é todo um período de luz e alegria. Fui criado solto, brincando e jogando bola na rua, tomando banhos de rio. Avós maternos, tios e primos, todos criados juntos, iguais. Muito amor, carinho, respeito e valores morais recebidos dos meus pais”.

Leitor voraz de clássicos da literatura universal, a começar pelos pré-socráticos, reconhece como suas principais influências a Bíblia Sagrada, Nietzsche, Dostoiévski e Philip Pettit.

Antes de ingressar no MPF — onde iniciou a carreira na PRM Angra dos Reis –, André foi promotor de justiça em Minas Gerais, o que lhe dá um excelente trânsito entre os colegas do MPMG, com quem mantém uma cooperação, profícua, que merece ser adotada como referência entre as montanhas de Minas.

Porque vê o STF, hoje, como “um tribunal político, no pior sentido do termo”, acredita que “o caminho esteja em um processo interinstitucional plural de escolha dos integrantes da Suprema Corte, com a menor ingerência possível do poder político”.

Um duro crítico da atuação de nossos tribunais superiores, um trabalhador incansável contra a corrupção que assola os municípios do Norte de Minas Gerais, um leitor de Dante, Stendhal, Goethe, Edgar Allan Poe, Machado de Assis e Guimarães Rosa; enfim, um procurador combativo e um devorador de livros. É com ele, de Montes Claros, MG, que trocamos o nosso 11º dedo de prosa — entre a luz e a sombra. Uma prosa mineira, naturalmente.

 

Você acredita no combate à corrupção no Brasil o trabalho da justiça tem ocupado posição importante? Às vezes sinto que o trabalho punitivo, embora necessário, não tem alcançado a essência do problema…

Penso que, infelizmente, nossa Justiça é um espelho das desigualdades estruturais da sociedade brasileira, o que se reflete substancialmente na prestação jurisdicional em face da corrupção, seja em matéria penal (em que a seletividade secundária beira as raias do absurdo), seja em matéria cível lato sensu, inclusive a nível preventivo, em que nosso Poder Judiciário, mediante uma pletora de subterfúgios e interpretações surreais, promove a blindagem dos nichos de poder político e econômico, pouco importando as facções ou as ideologias subjacentes. Nesse contexto, o combate à corrupção torna-se absolutamente inócuo, porque a resposta da Justiça é pífia e risível, sob qualquer parâmetro de comparação (seja externo, no cotejo a praxe judiciária de países minimamente desenvolvidos, seja interno, no confronto com a rigidez com que a Justiça brasileira reprime os “ilícitos” das classes menos favorecidas e dos movimentos sociais). A resposta jurisdicional é monstruosamente desproporcional, quase fictícia, sem o mínimo de eficácia para inibir e reprimir a criminalidade do poder, e talvez seja este o principal fator, em nosso país, por que o combate à corrupção não tem tido o condão de concorrer decisivamente às necessárias mudanças macroestruturais do grupamento social (tal qual, por exemplo, a bem sucedida experiência italiana).

Egresso do Ministério Público de Minas Gerais, como você vê, na sua região, a diferença entre as estruturas de um e de outro órgão nas lides diárias? Acredita que o MPF pode aprender algo com o trabalho do MPE-MG?

Meu amigo, assim como você e outros valorosos colegas de MPF (como Helder Magno e Edmundo Dias), tive a honra de integrar os quadros do MPMG nos idos de 2003/2005. Penso que o Parquet mineiro evoluiu muito nestes últimos anos, e, a nível estrutural, o principal avanço foi a implantação de coordenadorias regionais (patrimônio público, meio ambiente e outras) e temáticas (bacias hidrográficas e outras), a ensejar a solução de conflitos num contexto alargado, com a sistematização da colheita e processamento de informações e a promoção articulada de trabalhos em rede, estrategicamente deliberados.

Você acompanhou de perto o processo do Mensalão. O que, na sua visão, todo colega deveria saber e absorver em seu trabalho após a experiência por que passou o STF?

Como expus alhures, penso que o julgamento da Ação Penal 470, pelo STF, foi permeado de avanços (especialmente em teoria das provas) e retrocessos (notadamente em sede de aplicação e dosimetria das penas), e estes predominaram ao cabo, no julgamento dos embargos infringentes (blindagem teórica do colarinho branco ao crime de quadrilha, derrogação judicial do crime de lavagem de dinheiro quando o delito antecedente for corrupção, etc). Todavia, as evoluções ou involuções daquele julgamento, no mais das vezes, não se relacionam diretamente ao trabalho do Ministério Público. A ausência de arguição da suspeição de um Ministro que, supostamente, teria relações próximas com alguns dos réus, talvez seja a maior lição ao MP: jamais se omitir em adotar todas as medidas processuais ao alcance, na tutela dos interesses da coletividade, ainda que isso possa significar desgastes com quem quer que seja, inclusive membros da mais alta corte do país.

Como vê a atuação do STF hoje? Se pudesse fazer duas alterações estruturais (relativas à competência, ao rito etc), visando à melhoria dos serviços, quais seriam?

Vejo o STF de hoje como um tribunal político, no pior sentido do termo. O problema estrutural por excelência reside no processo de escolha dos Ministros, que, de um lado, favorece escolhas estratégicas em prol exclusivo de facções políticas e de grupos econômicos, e, de outro, estimula a subserviência e o clientelismo dos candidatos ao mais alto cargo do Poder Judiciário perante aqueles interesses. Creio que o caminho esteja em um processo interinstitucional plural de escolha dos integrantes da Suprema Corte, com a menor ingerência possível dos detentores do poder político.

O MPF começou, há alguns anos, uma rotina de correições ordinárias em suas unidades em todo o país. A atividade se debruça sobre a fiscalização do cumprimento dos prazos nos procedimentos e processos judiciais e na verificação da estrutura das procuradorias. Essa atividade fiscalizatória, extremamente necessária, fornece-nos um atestado de regularidade do exercício de nosso ministério público. Como lançar nossas redes em águas mais profundas, André?

A atuação correicional é imprescindível para assegurar a transparência, a regularidade e a operosidade do exercício da função ministerial. Acontece que, hoje, esta atividade ainda se dá a nível superficial, pelo critério quantitativo-estatístico, que se revela absolutamente insuficiente, porque números podem ser artificialmente fabricados e inflados, sem qualquer relevo social. Penso que se devem pensar standards objetivos de aferição qualitativa, vinculados menos à frieza dos números e mais em termos de verificação do efetivo desempenho de trabalhos prospectivos, de larga monta e impacto social.

De suas leituras na área da literatura, da história, da filosofia e da psicologia, que livros — e por que — mais influenciaram sua vida e sua forma de pensar hoje?

Na literatura, Dante, Stendhal, Goethe, Poe, Machado de Assis e Guimarães Rosa deixaram fortes marcas em meu espírito, mas, sem dúvida, o maior impacto adveio do contato com a obra de Dostoiévski, aos dezesseis anos, especialmente “Crime e Castigo” e “Memórias do Subsolo”, que revolvem os arcanos da experiência humana. Na filosofia, os pré-socráticos, Bacon, Spinoza, Kant, Sartre, Foucault, dentre tantos outros, mas sem dúvidas foi a leitura de todo o Nietzsche, aos vinte anos, a responsável pela grande guinada de meu pensamento – embora eu tenha sérias reservas quanto a alguma de suas idéias, e, a nível dos conceitos estereótipos, praticamente em nada seja “nietzschiano”. Na filosofia política, que muito prezo, minha predileção é por uma linha de pensamento hoje denominada “republicanismo neo-romano”, que remonta a Cícero, Tito Lívio, Tácito e outros na Roma antiga, Maquiavel na Renascença Italiana, Milton e Harrington no período das revoluções inglesas, Rousseau em França pré-revolução, e, na atualidade Quentin Skinner, Maurizio Viroli, Jean-Fabien Spitz, tendo sua versão mais perfeita na obra de Philip Pettit. Em psicologia, sempre tive sérias discordâncias com a linha freudiana, tive meus tempos de abertura ao pensamento de Jung, mas confesso que nada teve muita influência. Por fim, foi a leitura integral e atenta de todos os livros da Bíblia, em 1999, a experiência de maior impacto em minha vida. Quanto à história, sou entusiasta da metodologia da “Escola de Cambridge” (Pocock, Skinner e outros), mas nenhum livro me marcou tanto quanto a “História da Guerra do Peloponeso”, de Tucídides.

Onde passou sua infância? Qual é a melhor lembrança que você tem de sua meninice?

Passei toda a minha infância em Pirapora, MG (com viagens constantes a Montes Claros, Bocaiúva e Olhos D’Água, família paterna). Não existe “a” melhor lembrança, porque é todo um período de luz e alegria. Fui criado solto, brincando e jogando bola na rua, tomando banhos de rio (dali vem minha relação de amor profundo com o Rio São Francisco). Avós maternos, tios e primos, todos criados juntos, iguais. Muito amor, carinho, respeito e valores morais recebidos dos meus pais. Enfim, só boas lembranças.

Em seu livro ‘O Nobre Deputado’, o juiz de direito Márlon Reis transcreveu o testemunho de um senador da República para quem “o resultado de qualquer eleição brasileira já está[va] definido muito antes do encerramento da votação. Muito antes da abertura das urnas. A vontade do eleitor individual não vale nada no processo. O que conta é a quantidade de dinheiro arrecadado para a campanha vencedora, que usa a verba num infalível esquema de compra de votos. Arrecadou mais, pagou mais. Pagou mais, levou”. Não há grandes surpresas nesse depoimento, a não ser naquilo em que ele busca afirmar a universalidade da prática. Imagino que você não veja as coisas de modo muito diverso. Você trabalha em uma PRM que tem atribuição sobre dezenas de pequenos municípios do Norte de Minas Gerais e também por isso conhece um pouco o imaginário geral dos moradores dessa região. Acredita que esse problema essencial para a vitalidade da democracia faça parte das preocupações (ou mesmo do entendimento) da maioria da população? Não haveria aí nessa falta de educação uma quebra do princípio democrático?

Sem dúvida, essas questões essenciais passam ao largo das preocupações das massas, porém muito dessa letargia decorre da descrença nas instituições constituídas e da desinformação, daí que a quebra da circularidade deste processo passa, necessariamente, pela efetividade do controle social e da ação dos órgãos de fiscalização, atacando e rompendo os elos desta cadeia perversa de captura do poder; pela ampla e massiva divulgação, publicidade e conscientização por meio da imprensa e das redes sociais; e pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento das vias formais de ensino e educação, ministrando bases seguras para a autodeterminação da vontade popular democrática.

 

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“Espero que a educação, finalmente desideologizada do forte conteúdo marxista e esquerdista, possa ser a construtora das virtudes nacionais e sociais que um dia acreditamos que construiríamos à base de ações civis públicas”. Veja a entrevista com Paulo Jacobina.

“Eu tenho liberdade em ti. Anoiteço feito um bairro, sem brilho algum”. Pela voz de Mário de Andrade, é assim que Paulo Jacobina descreve sua relação com o trabalho hoje. “A PRR1 ocupa um lugar importantíssimo, mas o lugar de trabalho, mesmo”.

Acreditando que os ataques à figura paterna e o ódio que lhe dirigimos hoje, em nossa sociedade, prejudicam a relação que travamos com o próprio Deus, Paulo reconhece que “aprender a ser filho de Deus me devolveu a possibilidade de ser um pai melhor, como também de ser um filho melhor”. Que bela trajetória!

Em seu caminho de volta à Igreja, viu-se afastando-se de si mesmo, até que se reencontrou “numa dimensão muito mais profunda e feliz”. Acredita que o Cristianismo não esteja hoje diante de um desafio de converter as multidões, mas de um “desafio qualitativo para um Cristianismo mais autêntico. Que é absolutamente necessário, hoje mais do que nunca”.

Autor de ‘Cartas a Probo’, livro que se propõe a ser uma conversa cristã sobre o Espiritismo, Jacobina escreve artigos de apologética cristã e ministra palestra sobre Cristianismo e história das ideias.

De Brasília, concedeu-nos a sétima entrevista da série. Sem dúvida, eis um interessantíssimo ‘dedo de prosa’. Sente-se que o pão-de-queijo está servido…

A história do Ministério Público nas décadas de 80 e 90 é a história da conquista de garantias institucionais e de instrumentos processuais que o constituíram com uma das forças públicas mais atuantes na história recente do Brasil. Alguns ícones dessa geração convivem hoje com colegas recém-empossados, dos quais estão separados por até duas gerações. Acredita que a geração que construiu o MPF da primeira década pós-Constituição consolidou uma certa tradição? Se sim, essa tradição foi ou vem sendo transmitida com sucesso às novas gerações?

Sem dúvida, era uma época mais sonhadora e solta; havia muito para construir. E muito foi construído. Havíamos saído de uma época com restrições democráticas intensas, e o Ministério Público foi depositário de grandes esperanças sociais. Mas muito erramos também: muito individualismo e voluntarismo, muita ideologização, poucos resultados práticos. Aprendemos muito, trabalhamos muito, construímos um pouco. Erramos muito, mas também isso é bom: só erra quem ousa fazer.

Que lugar o trabalho na PRR1 ocupa na sua vida hoje, Paulo?

A PRR1 ocupa um lugar importantíssimo, mas o lugar de trabalho, mesmo. Houve um tempo em que eu depositava todas as dimensões da minha realização pessoal aqui; hoje, depois de 22 anos de ministério público, é bastante claro para mim que a paixão dos primeiros tempos tem que ser substituída por essa amizade de longa duração que caracteriza os verdadeiros amores. Lembro-me de um velho poema de Mário de Andrade, que talvez descreva bem minha relação com a PRR1:

Gosto de estar a teu lado,
Sem brilho.
Tua presença é uma carne de peixe,
De resistência mansa e de um branco
Ecoando azuis profundos.

Eu tenho liberdade em ti.
Anoiteço feito um bairro,
Sem brilho algum.

Estamos no interior duma asa
Que fechou.

Provavelmente você concorda que os seus quatro antigos fantasminhas (Freud, Marx, Darwin e Kardec) não tornaram o mundo um lugar melhor. Tornaram-no, pelo menos, mais interessante?

Sem dúvida, todo pensador que ousa pensar profundamente faz o mundo ficar mais interessante. Estes quatro foram responsáveis pela criação de quatro religiões (ou talvez de uma grande religião laicista) em que o Deus pessoal do cristianismo foi substituído por alguma força sobre-humana que eles tentaram dominar em prol do que eles acreditavam que seria uma humanidade melhor. Freud com a pulsão sexual, Marx e a economia, Darwin e a evolução, Kardec e a reencarnação gnóstica. Só lamento que a aparente sofisticação dos sistemas que eles construíram tenham me mantido afastado por tanto tempo daquele Deus que me marcou a infância, e que me marca agora a maturidade, o mesmo de quem Blaise Pascal disse: “Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacob e não dos filósofos e dos sábios” . Foi preciso que Deus gritasse alto para que minha surdez fosse rompida, pois os tampões desses quatro pensadores são bastante eficientes.

A propósito, o Frei Irmão Tomás de Jesus, personagem de ‘Cartas a Probo’ é fruto de usa imaginação fértil ou é um homem de carne e osso? Nesse último caso, ainda hoje se correspondem?

Na verdade, ele é a face literária de algumas pessoas, em especial de um jovem religioso que rezou muito por mim, e que hoje, tendo retornado à vida laica, é quase como um filho. Seu nome religioso era Irmão Cássius, seu nome civil é Léo, e ele me ajudou muito. Também uma querida irmã em Cristo, Letícia, foi suporte de oração e direção para mim neste caminho. Um sacerdote colombiano sapientíssimo e preparadíssimo, pe. Carlos Hernandes, e a minha própria esposa, que sempre caminhou serenamente na fé enquanto eu me desviava em toda esquina que me aparecia, faz parte desta figura literária. Mas a maior parte das cartas foram matéria que eu próprio pesquisei para responder a antigos companheiros de gnose que me interpelavam a cada momento no caminho da conversão.

Jesus Cristo disse ter vindo colocar dissensão entre pai e filho e entre filha e mãe (Mt 10:35). Por outro lado, insiste no quarto mandamento (‘honra teu pai e tua mãe’ – Mc 10:19 e Mt 19:19). Em que sentido o quarto mandamento pode encontrar seu maior rendimento espiritual?

Para o nosso mundo, talvez a figura mais atacada, mais odiada e desconstruída seja a figura do pai… Como entender o Pai eterno num mundo para quem a figura paterna não significa mais nada? Jesus dizia: “Se vocês não creem quando falo das coisas deste mundo, como vão crer se eu falar das coisas do céu?” Portanto, a analogia é necessária, se queremos realmente viver a fé.

Para mim, aprender a ser filho de Deus me devolveu a possibilidade de ser um pai melhor, como também de ser um filho melhor, mas não sem passar antes pela angústia de querer converter a todo custo a minha família… hoje estou bem mais tranquilo, e sigo caminhando, e a todo momento me surpreendo quando as pessoas da família me perguntam um pouco sobre a minha caminhada de fé com genuína curiosidade. Somente lamento não ter vivido isto há mais tempo, para ter sido um pai melhor para meus filhos e um filho melhor para meus pais.

Cristo sempre bate à nossa porta. Assim com eu próprio, você também retornou à Igreja após muitos anos de procura. Consegue identificar os momentos em que as batidas foram mais fortes? O que finalmente o convenceu de que valia a pena recebê-lo em sua casa?

Alguns milagres muito fortes me ocorreram no processo de retorno, daquele tipo que não é muito visível para quem não os vive. Pude sair de uma depressão profunda sem nenhum auxílio químico, curei algumas desordens no campo do relacionamento interpessoal, voltei a poder sair da cama todo dia com alegria. De certa forma, no processo de voltar à Igreja, eu me afastei de mim mesmo, e me reencontrei numa dimensão muito mais profunda e feliz. Pude experimentar, na prática, o que significa dizer que a fé, a esperança e a caridade são virtudes teologais: é que elas são dons, não conquistas pessoais. Comigo foi assim.

Qual é a sua opinião sobre o que disse o Papa Bento XVI, então cardeal em 1996: ‘[t]alvez tenhamos de nos despedir das ideias existentes de uma Igreja de massas. Estamos possivelmente perante uma época diferente e nova da história da Igreja. Nela, o Cristianismo voltará a estar sob o signo do grão de mostarda, em pequenos grupos, aparentemente sem importância, mas que vivem intensamente contra o Mal e trazem o Bem para o mundo; que deixam Deus entrar‘. (Sal da Terra, um diálogo com Peter Seewald)?

Eu gostaria que o Papa estivesse errado, e que o Cristianismo fosse realmente a luz do mundo e o sal da terra também para as nações e as multidões. Mas acho que o chamado dele não é, como pareceria numa leitura apressada, um reconhecimento de falência numérica, quantitativa, mas um desafio qualitativo para um Cristianismo mais autêntico. Que é absolutamente necessário, hoje mais do que nunca.

Paulo, como você convenceria um agricultor do interior do país de que vale a pena investir R$ 6,1 bilhões anuais (segundo a nossa proposta orçamentária para 2015) no funcionamento do Ministério Público Federal?

Ufa, eu espero jamais precisar fazer isto. Espero que chegue logo o dia em que isto não seja necessário. Sonho com um Brasil em que a educação, finalmente desideologizada do forte conteúdo marxista e esquerdista que tem hoje, possa realmente ser a construtora das virtudes nacionais e sociais que nós um dia acreditamos que construiríamos à base de ações civis públicas e de improbidade. Que os professores sejam mais eficazes que os promotores, e que as salas de aula sejam mais prestigiadas que as cadeias… Enquanto isso, com todos os problemas ideológicos que também nos contaminam, ainda somos importantes no caminho da cidadania, e somente isto pode justificar este orçamento. Com a grande responsabilidade que ele nos dá em contrapartida…

Aproveitando a metáfora de Antoine de Saint-Exupéry, se você sobrevoasse o Brasil à noite, que ‘pequenas luzes perdidas na planície’ lhe seriam mais interessantes hoje? Por quê?

Pode parecer um chavão, mas me interessam as luzes do amor, do verdadeiro amor, aquele que, segundo Bento XVI, “tornou-se hoje uma das palavras mais usadas e mesmo abusadas, à qual associamos significados completamente diferentes.”

Falo aqui do amor no sentido daquela força que nos tira de dentro de nós mesmos, que nos “converte” verdadeiramente. Deixar de ser Deus para si mesmo, encontrar o outro e encontrar a Deus, aquele que paradoxalmente é o “totalmente outro” e “é mais íntimo de mim do que eu mesmo…”

A primeira e maior conversão passa por uma abertura da razão humana ao verdadeiro amor: Uma razão que admite a existência efetiva das coisas e que não considera a si mesmo como Deus pode facilmente deixar-se conduzir à fé, e transformar-se num pequeno luzeiro na escuridão…

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