Entrevista com André Dias: “O julgamento da Ação Penal n. 470 deixou uma grande lição ao Ministério Público: jamais devemos nos omitir em adotar todas as medidas processuais que estejam ao nosso ao alcance”.

Criado em Pirapora, MG, André tem uma relação de amor profundo com o Rio São Francisco e uma infância repleta de boas lembranças: “é todo um período de luz e alegria. Fui criado solto, brincando e jogando bola na rua, tomando banhos de rio. Avós maternos, tios e primos, todos criados juntos, iguais. Muito amor, carinho, respeito e valores morais recebidos dos meus pais”.

Leitor voraz de clássicos da literatura universal, a começar pelos pré-socráticos, reconhece como suas principais influências a Bíblia Sagrada, Nietzsche, Dostoiévski e Philip Pettit.

Antes de ingressar no MPF — onde iniciou a carreira na PRM Angra dos Reis –, André foi promotor de justiça em Minas Gerais, o que lhe dá um excelente trânsito entre os colegas do MPMG, com quem mantém uma cooperação, profícua, que merece ser adotada como referência entre as montanhas de Minas.

Porque vê o STF, hoje, como “um tribunal político, no pior sentido do termo”, acredita que “o caminho esteja em um processo interinstitucional plural de escolha dos integrantes da Suprema Corte, com a menor ingerência possível do poder político”.

Um duro crítico da atuação de nossos tribunais superiores, um trabalhador incansável contra a corrupção que assola os municípios do Norte de Minas Gerais, um leitor de Dante, Stendhal, Goethe, Edgar Allan Poe, Machado de Assis e Guimarães Rosa; enfim, um procurador combativo e um devorador de livros. É com ele, de Montes Claros, MG, que trocamos o nosso 11º dedo de prosa — entre a luz e a sombra. Uma prosa mineira, naturalmente.

 

Você acredita no combate à corrupção no Brasil o trabalho da justiça tem ocupado posição importante? Às vezes sinto que o trabalho punitivo, embora necessário, não tem alcançado a essência do problema…

Penso que, infelizmente, nossa Justiça é um espelho das desigualdades estruturais da sociedade brasileira, o que se reflete substancialmente na prestação jurisdicional em face da corrupção, seja em matéria penal (em que a seletividade secundária beira as raias do absurdo), seja em matéria cível lato sensu, inclusive a nível preventivo, em que nosso Poder Judiciário, mediante uma pletora de subterfúgios e interpretações surreais, promove a blindagem dos nichos de poder político e econômico, pouco importando as facções ou as ideologias subjacentes. Nesse contexto, o combate à corrupção torna-se absolutamente inócuo, porque a resposta da Justiça é pífia e risível, sob qualquer parâmetro de comparação (seja externo, no cotejo a praxe judiciária de países minimamente desenvolvidos, seja interno, no confronto com a rigidez com que a Justiça brasileira reprime os “ilícitos” das classes menos favorecidas e dos movimentos sociais). A resposta jurisdicional é monstruosamente desproporcional, quase fictícia, sem o mínimo de eficácia para inibir e reprimir a criminalidade do poder, e talvez seja este o principal fator, em nosso país, por que o combate à corrupção não tem tido o condão de concorrer decisivamente às necessárias mudanças macroestruturais do grupamento social (tal qual, por exemplo, a bem sucedida experiência italiana).

Egresso do Ministério Público de Minas Gerais, como você vê, na sua região, a diferença entre as estruturas de um e de outro órgão nas lides diárias? Acredita que o MPF pode aprender algo com o trabalho do MPE-MG?

Meu amigo, assim como você e outros valorosos colegas de MPF (como Helder Magno e Edmundo Dias), tive a honra de integrar os quadros do MPMG nos idos de 2003/2005. Penso que o Parquet mineiro evoluiu muito nestes últimos anos, e, a nível estrutural, o principal avanço foi a implantação de coordenadorias regionais (patrimônio público, meio ambiente e outras) e temáticas (bacias hidrográficas e outras), a ensejar a solução de conflitos num contexto alargado, com a sistematização da colheita e processamento de informações e a promoção articulada de trabalhos em rede, estrategicamente deliberados.

Você acompanhou de perto o processo do Mensalão. O que, na sua visão, todo colega deveria saber e absorver em seu trabalho após a experiência por que passou o STF?

Como expus alhures, penso que o julgamento da Ação Penal 470, pelo STF, foi permeado de avanços (especialmente em teoria das provas) e retrocessos (notadamente em sede de aplicação e dosimetria das penas), e estes predominaram ao cabo, no julgamento dos embargos infringentes (blindagem teórica do colarinho branco ao crime de quadrilha, derrogação judicial do crime de lavagem de dinheiro quando o delito antecedente for corrupção, etc). Todavia, as evoluções ou involuções daquele julgamento, no mais das vezes, não se relacionam diretamente ao trabalho do Ministério Público. A ausência de arguição da suspeição de um Ministro que, supostamente, teria relações próximas com alguns dos réus, talvez seja a maior lição ao MP: jamais se omitir em adotar todas as medidas processuais ao alcance, na tutela dos interesses da coletividade, ainda que isso possa significar desgastes com quem quer que seja, inclusive membros da mais alta corte do país.

Como vê a atuação do STF hoje? Se pudesse fazer duas alterações estruturais (relativas à competência, ao rito etc), visando à melhoria dos serviços, quais seriam?

Vejo o STF de hoje como um tribunal político, no pior sentido do termo. O problema estrutural por excelência reside no processo de escolha dos Ministros, que, de um lado, favorece escolhas estratégicas em prol exclusivo de facções políticas e de grupos econômicos, e, de outro, estimula a subserviência e o clientelismo dos candidatos ao mais alto cargo do Poder Judiciário perante aqueles interesses. Creio que o caminho esteja em um processo interinstitucional plural de escolha dos integrantes da Suprema Corte, com a menor ingerência possível dos detentores do poder político.

O MPF começou, há alguns anos, uma rotina de correições ordinárias em suas unidades em todo o país. A atividade se debruça sobre a fiscalização do cumprimento dos prazos nos procedimentos e processos judiciais e na verificação da estrutura das procuradorias. Essa atividade fiscalizatória, extremamente necessária, fornece-nos um atestado de regularidade do exercício de nosso ministério público. Como lançar nossas redes em águas mais profundas, André?

A atuação correicional é imprescindível para assegurar a transparência, a regularidade e a operosidade do exercício da função ministerial. Acontece que, hoje, esta atividade ainda se dá a nível superficial, pelo critério quantitativo-estatístico, que se revela absolutamente insuficiente, porque números podem ser artificialmente fabricados e inflados, sem qualquer relevo social. Penso que se devem pensar standards objetivos de aferição qualitativa, vinculados menos à frieza dos números e mais em termos de verificação do efetivo desempenho de trabalhos prospectivos, de larga monta e impacto social.

De suas leituras na área da literatura, da história, da filosofia e da psicologia, que livros — e por que — mais influenciaram sua vida e sua forma de pensar hoje?

Na literatura, Dante, Stendhal, Goethe, Poe, Machado de Assis e Guimarães Rosa deixaram fortes marcas em meu espírito, mas, sem dúvida, o maior impacto adveio do contato com a obra de Dostoiévski, aos dezesseis anos, especialmente “Crime e Castigo” e “Memórias do Subsolo”, que revolvem os arcanos da experiência humana. Na filosofia, os pré-socráticos, Bacon, Spinoza, Kant, Sartre, Foucault, dentre tantos outros, mas sem dúvidas foi a leitura de todo o Nietzsche, aos vinte anos, a responsável pela grande guinada de meu pensamento – embora eu tenha sérias reservas quanto a alguma de suas idéias, e, a nível dos conceitos estereótipos, praticamente em nada seja “nietzschiano”. Na filosofia política, que muito prezo, minha predileção é por uma linha de pensamento hoje denominada “republicanismo neo-romano”, que remonta a Cícero, Tito Lívio, Tácito e outros na Roma antiga, Maquiavel na Renascença Italiana, Milton e Harrington no período das revoluções inglesas, Rousseau em França pré-revolução, e, na atualidade Quentin Skinner, Maurizio Viroli, Jean-Fabien Spitz, tendo sua versão mais perfeita na obra de Philip Pettit. Em psicologia, sempre tive sérias discordâncias com a linha freudiana, tive meus tempos de abertura ao pensamento de Jung, mas confesso que nada teve muita influência. Por fim, foi a leitura integral e atenta de todos os livros da Bíblia, em 1999, a experiência de maior impacto em minha vida. Quanto à história, sou entusiasta da metodologia da “Escola de Cambridge” (Pocock, Skinner e outros), mas nenhum livro me marcou tanto quanto a “História da Guerra do Peloponeso”, de Tucídides.

Onde passou sua infância? Qual é a melhor lembrança que você tem de sua meninice?

Passei toda a minha infância em Pirapora, MG (com viagens constantes a Montes Claros, Bocaiúva e Olhos D’Água, família paterna). Não existe “a” melhor lembrança, porque é todo um período de luz e alegria. Fui criado solto, brincando e jogando bola na rua, tomando banhos de rio (dali vem minha relação de amor profundo com o Rio São Francisco). Avós maternos, tios e primos, todos criados juntos, iguais. Muito amor, carinho, respeito e valores morais recebidos dos meus pais. Enfim, só boas lembranças.

Em seu livro ‘O Nobre Deputado’, o juiz de direito Márlon Reis transcreveu o testemunho de um senador da República para quem “o resultado de qualquer eleição brasileira já está[va] definido muito antes do encerramento da votação. Muito antes da abertura das urnas. A vontade do eleitor individual não vale nada no processo. O que conta é a quantidade de dinheiro arrecadado para a campanha vencedora, que usa a verba num infalível esquema de compra de votos. Arrecadou mais, pagou mais. Pagou mais, levou”. Não há grandes surpresas nesse depoimento, a não ser naquilo em que ele busca afirmar a universalidade da prática. Imagino que você não veja as coisas de modo muito diverso. Você trabalha em uma PRM que tem atribuição sobre dezenas de pequenos municípios do Norte de Minas Gerais e também por isso conhece um pouco o imaginário geral dos moradores dessa região. Acredita que esse problema essencial para a vitalidade da democracia faça parte das preocupações (ou mesmo do entendimento) da maioria da população? Não haveria aí nessa falta de educação uma quebra do princípio democrático?

Sem dúvida, essas questões essenciais passam ao largo das preocupações das massas, porém muito dessa letargia decorre da descrença nas instituições constituídas e da desinformação, daí que a quebra da circularidade deste processo passa, necessariamente, pela efetividade do controle social e da ação dos órgãos de fiscalização, atacando e rompendo os elos desta cadeia perversa de captura do poder; pela ampla e massiva divulgação, publicidade e conscientização por meio da imprensa e das redes sociais; e pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento das vias formais de ensino e educação, ministrando bases seguras para a autodeterminação da vontade popular democrática.

 

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Entrevista com João Brandão: “Como forma de prestar contas a Deus (ou à Pátria) o trabalho é muito mais eficiente e realizador; e obtém mais resultados do que a execução de obrigações decorrentes de um castigo imposto pelo pecado”.

João Brandão é conhecido por todos por seu interesse na História das Civilizações e, em especial, na História da Península Ibérica, de sua legislação antiga e de suas repercussões e aplicações no Brasil. “Acredito que agimos conforme a cultura jurídica ibérica, seja nas expressões corriqueiras, nas fórmulas documentais, seja nas práticas processuais que jamais conseguimos retirar do ordenamento jurídico”.

Denunciando o que chama de ‘cortesismo’ dentro do MPF, deplora a alocação de maior quantidade de recursos e mais aparato nas capitais (a corte) do que no interior (a província). Segundo compreende, também legamos esse costume excessivamente centralizador da Colônia e do Império, por exemplo, nas homologações das promoções de arquivamentos e nos declínios de atribuição dentro do MPF, que obrigatoriamente devem ser analisados pelas câmaras de coordenação e revisão em Brasília.

Para ele, surgidas as inovações que o Ministério Público patrocinou nas décadas de 80 e 90, “logo se criaram mecanismos que frearam os ímpetos inovadores, regraram as atividades e aumentaram a centralização, além de punirem a publicidade dos trabalhos e seus resultados, retomando assim a velha cultura que sempre vicejou entre nós, desde 1500”.

Essa entrevista foi concedida a partir de Florianópolis, SC, onde João atualmente trabalha. A satisfação em manter esse diálogo foi mútua. Saí dele com algumas perspectivas interessantes de pesquisa. É isso o que frequentemente nos deixam as ‘luzes na planície’ que passam por nossa vida.

Um ‘dedo de prosa’ dos mais agradáveis — é o que você terá a chance de conferir nesta entrevista com João Brandão.

Você deixou a PRM Blumenau após dezesseis anos de trabalho. Cansou-se de trabalhar em PRM? O que mudou no trabalho com sua ida para a PRSC?

Para se entender a diferença entre uma PRM e uma PR, em SC, é fundamental conhecer as características do Estado. Em Santa Catarina não há cidades com mais de 500 mil habitantes e a capital (Florianópolis) não é a maior cidade do Estado (posto ocupado por Joinville). Há um triângulo formado pelas cidades de Blumenau, Joinville e Florianópolis, com Itajaí e Balneário Camboriú no meio, que constitui o núcleo da vida econômica, cultural e de lazer no Estado de Santa Catarina. Não há diferença entre viver numa ou noutra destas cinco cidades, nas quais há os mesmos serviços, as mesmas comodidades e os mesmos confortos. Assim, o que muda é o tratamento dado pela administração dos diversos órgãos públicos às repartições que ficam na capital ou no interior. Neste tratamento, ocorre o que eu chamo de “cortesismo”, que é o oposto de “provincianismo”, mas que pertence ao mesmo tipo de vício: mais atenção, mais recursos e mais aparato ao que fica nas capitais (a corte) do que ao que está no interior (a província). Isto é também uma vertente da centralização excessiva que há no Brasil, resquício do Império e da Colônia (exemplo deste centralismo são as homologações de arquivamentos e dos declínios de atribuição no MPF). O que cansa, então, na PRM, é a insolubilidade de certos problemas, como o acúmulo de trabalho, a carência constante de pessoal, a dificuldade para equipar a repartição etc. Então vai se chegando a um ponto que não se suporta mais a dificuldade para obter tudo e se é tomado pela desesperança de alcançar uma solução ideal. No meu caso, porém, havia uma particularidade: a aproximação do tempo da aposentadoria, somada com a residência dos familiares de minha esposa e meus em Florianópolis ou Itajaí. Assim, à desesperança de melhoria das condições de trabalho na PRM (onde trabalhava) e na subseção da Justiça Federal (onde minha esposa trabalhava) se somou a proximidade da aposentadoria e o plano de morar (quando aposentado) perto dos familiares. O que mudou no meu trabalho na PRSC em relação à PRM Blumenau: exatamente o dispor de mais gente com quem dividir o trabalho (a desproporção na quantidade de procuradores da República lotados em Florianópolis e os lotados em Blumenau não encontra qualquer paradigma lógico: doze procuradores em Florianópolis para uma população de cerca de 500 mil habitantes e quatro Procuradores em Blumenau, para 350 mil habitantes); mais equipamento, mais serviços (por exemplo: biblioteca com duas bibliotecárias e nenhuma em Blumenau, duas máquinas fotocopiadoras no gabinete contra uma em Blumenau, especialização nas atribuições, permitida pela quantidade de Procuradores, o que era inviável em Blumenau e assim por diante).

A história do Ministério Público nas décadas de 80 e 90 é a história da conquista de garantias institucionais e de instrumentos processuais que constituíram com uma das forças públicas na história recente do Brasil. Alguns ícones dessa geração convivem hoje com colegas recém-empossados, separados por até duas gerações. Acredita a geração que construiu o MPF da primeira década pós-Constituição constituiu uma certa tradição? Se sim, essa tradição foi ou vem sendo transmitida às novas gerações?

O tempo me criou a impressão que as conquistas das décadas de 80 e 90 foram uma tentativa de quebra da cultura que nos regula há 500 anos. Então tivemos um período de maior independência, de trabalhos efetivamente inovadores e de uma ousadia maior no desempenho das atividades. Mas esta ousadia, que se traduz em maior eficiência no trabalho, maior busca por resultados, só vai sobreviver se for sustentada por uma cultura individualista, impessoal, igualitária, meritocrática e republicana, exatamente o contrário de nossa cultura de 500 anos, que é relacional, personalista, desigual, apadrinhadora e patrimonialista. E a esta cultura se soma a visão católica do trabalho, que o enxerga como um castigo decorrente do pecado original e não – como os protestantes – uma missão da qual se tem que prestar contas a Deus. Assim, surgidas as inovações (quiçá apenas um furor oposicionista), logo se criaram mecanismos que frearam os ímpetos inovadores, regraram as atividades e aumentaram a centralização, além de punirem a publicidade dos trabalhos e seus resultados, retomando assim a velha cultura que sempre vicejou entre nós, desde 1500. Logo, não há como tentar transmitir às novas gerações uma tradição que não foi trazida, mas que, na realidade, foi uma quebra de tradição. E a quebra de uma tradição só se mantém se pagar constantemente o preço deste rompimento, até que o novo se imponha sobre o antigo. As novas gerações apenas retomaram a antiga tradição na qual foram educadas e treinadas já no âmbito familiar.

É voz corrente que a configuração constitucional do Ministério Público brasileiro de hoje não encontra paralelo em outros países. Você consegue dizer quem teria ocupado no passado e quem ocuparia hoje as correspondentes funções nas diversas sociedades cuja história você já estudou?

Eu nunca fiz um estudo comparado do Ministério Público em outras culturas. Apenas estudei (e não sei o quanto conheci e o quanto faltou conhecer) as culturas que geraram a nossa, quais seja, a cultura romana, visigótica, árabe, centro-africana e ameríndia. E não posso deixar de acreditar que nosso Ministério Público, na sua realização prática, foi gerado pela aglutinação destas culturas. Mesmo que insistamos em algum ingrediente francês, nossa cultura ibérica se afasta do restante da Europa quando recebe a forte influência árabe, que se sobrepõe à cultura dos germânicos visigodos. Note-se, por exemplo, que os francos se misturaram aos latinos, mas não receberam influência árabe. Então já nesta origem ibérica fomos criando instituições peculiares. Daí haver também certa peculiaridade no nosso Ministério Público. Sobre Roma, Montesquieu, no seu Espírito das Leis, diz que um cidadão podia acusar o outro. Mais para frente, no tempo, o primeiro Código Ibérico conhecido é o Fuero Juzgo (o Código dos Visigodos, do ano 500 d.C.); é nele que vejo o germe do nosso Ministério Público: o rei, os bispos e príncipes deveriam ingressar nos pleitos por mandatários [“Isto porque pareceria desonra a tão grandes homens se algum homem que lhes fosse inferior contestasse o que dissessem na demanda. E se o rei quisesse estar em pessoa na demanda, quem ousaria contestá-lo? Assim, para que por medo do poder não desfaleça a verdade, mandamos que não tratem eles (bispos e príncipes) o pleito por si, mas por seus mandatários” Livro II, tít. 3, I]. Esta nomeação de um mandatário para o rei, para o príncipe e para os bispos, me parece ser a primeira concretização do que veio a ser nosso Ministério Público. Após o Fuero Juzgo, veio a dominação muçulmana na Península Ibérica e nunca achei a figura do acusador nas notícias que li sobre a Sharia (a lei muçulmana, resultante da interpretação do Corão). Era o Cádi que aplicava a lei. Interessante que tivemos o Alcaide (termo derivado de Cádi) em Portugal, que era o encarregado do policiamento nos Castelos. E em Portugal, desde 1521, as Ordenações Manuelinas já regulamentavam o ofício de Promotor da Justiça, um Desembargador encarregado de fazer a acusação dos crimes. Nos lugares menores do reino português, quem fazia a acusação eram os tabeliães ou o Alcaide das Sacas (nos casos de contrabando de gado, que se chamava ‘passagem de gado’ – Livro 1, Título LXXVI). Mas desde o advento do nosso Código de Processo Criminal, em 1832, já havia a figura do Promotor Publico (no art. 37 constava que suas atribuições eram denunciar alguns tipos penais, solicitar a prisão e punição dos criminosos, promover a execução das sentenças e mandados judiciais, dar parte às autoridades competentes das negligências, omissões e prevaricações dos servidores da administração da Justiça). Também nunca achei entre os povos centro-africanos cujos descendentes imigraram para o Brasil como escravos, a figura de um acusador, que, igualmente, não parecia existir entre os índios. Nos reinos africanos, o Rei ou o Soba (ou Sova) aplicava a Justiça e, entre os ameríndios, a Taba, reunida, o fazia. Talvez isto explique a dificuldade que as pessoas têm de entender nosso trabalho, independentemente do grau de instrução. Assim, temos o Ministério Público Brasileiro com uma conformação legal bastante interessante, mas uma legitimidade, ou um respaldo social (entendido como o conhecimento que a população tem das nossas atividades, que viabilizaria a aprovação destas atividades) bastante aquém daquilo que seria desejável para nos sentirmos seguros no desempenho das nossas atribuições.

Para você a ‘música é a sonoplastia da vida’. Eu gostaria de ouvir mais sobre essa sua concepção. Como assim, Brandão?

Cada momento tem um som, desde o dos carros que passam na rua quando caminhamos pela calçada, até o barulho do mar, se estamos na praia ou do farfalhar das árvores, se na floresta. Se associamos a um momento uma música, ela pode dar o ritmo e/ou a emoção daquele momento. Ou se nos confrontamos com uma lembrança da nossa vida, a música da moda naquele tempo da lembrança pode avivar a recordação. É este reforço de momentos, sensações e emoções que faz a trilha sonora de um filme, uma peça de teatro, ou uma novela terem mais vida, mais força, mais beleza, mais capacidade de aguçar nossos sentimentos.

Por que você tem tanto interesse na história das civilizações? É capaz de indicar três livros que ajudariam pessoas de cultura mediana a entender o Brasil de hoje?

Meu interesse na história é para entender o presente; como e porque agem as pessoas deste ou daquele modo. Donde também tenho interesse pela Sociologia. Minha dissertação de mestrado (A Intenção de Cumprir a Lei) foi o relatório de uma pesquisa de opinião, feita com 351 pessoas, entre 1986 e 87.

No tocante aos três livros, um deles precisaria tratar da cultura ibérica, outro da cultura centro-africana e outro da cultura ameríndia, que são os povos que formaram nossa base cultural. O molho alemão e o italiano só vieram bem mais tarde, com os imigrantes, funcionando mais como tempero do que como ingrediente e ficaram limitados a determinados pontos geográficos do país. Assim, a cultura ibérica poderia ser visitada na ‘História do Direito Português’, de Marcelo Caetano, mas seria importante uma visita à cultura muçulmana que ali vicejou, e um livro interessante é ‘Cristãos e Muçulmanos – A luta pela Península Ibérica’, de Bernard Reilly; para um conhecimento da África, ‘A Manilha e o Libambo’, de Alberto da Costa e Silva é um bom começo; sobre os ameríndios, ‘A Sociedade contra o Estado’, de Pierre Clastres é boa leitura. E a lista já foi e vai um pouco além dos três livros, pois para começar a entender esta complexidade que é a cultura brasileira, ‘Raízes do Brasil’, de Sérgio Buarque de Holanda é um clássico.

Qual é o seu interesse no estudo da legislação ibérica antiga?

Acredito que aparentamos atuar numa cultura jurídica (a dos povos nórdicos, germanodescendentes: anglo-saxões, francos, alemães e outros), mas, na realidade, agimos sinceramente conforme a cultura jurídica ibérica, seja nas expressões corriqueiras (se queixar ao bispo – no Fuero Juzgo era ao bispo que se recorria das sentenças judiciais), nas fórmulas documentais (os termos das audiências começam com a frase ‘aos costumes disse nada’ e a definição destes ‘costumes’ existe somente nas Ordenações Filipinas), seja nas práticas processuais que jamais conseguimos retirar do ordenamento jurídico (o agravo de instrumento, as exceções, os múltiplos recursos, o excesso intimações, a infinidade de respostas de réus e autores no mesmo processo e assim por diante). Por esta razão, conhecendo a legislação ibérica antiga, é possível, por exemplo, predizer que reformas processuais terão chance de vicejar e quais não terão; que costumes forenses são imutáveis e assim por diante.

Onde passou sua infância? Que lembranças tem de sua meninice?

Passei minha infância em Itajaí, SC. Tenho muitas lembranças: as procissões que ia com meu pai, o teatro sacro que ele dirigia, os filmes de faroeste que via nos cinemas da cidade, a convivência na escola, a presença e companhia de meus pais e irmãos, enfim, toda aquela lembrança de um tempo sem responsabilidade, em que a solução de todos os problemas está dependendo – na ideia da gente – somente da boa vontade de nossos pais.

Que lugar as viagens ocupam na sua vida? Para onde tem ido ultimamente?

As viagens disputam meu tempo com o trabalho. Viajaria mais se fôssemos, eu e minha esposa, aposentados. Viajava ao exterior uma vez por ano, mas, por conta da espera do concurso de remoção e, depois, por causa da mudança de cidade, fiquei dois anos sem fazer este tipo de viagem. Mas circulo muito por dentro do triângulo de que falei no começo, mais especificamente por Balneário Camboriú, Itajaí, Brusque e – pelo menos a cada seis meses – volto a Blumenau para matar as saudades. Na última viagem que fiz ao exterior fui a Londres e Paris.

Você diz que tenta hoje mudar a realidade a partir da eficiência do seu próprio trabalho. Eu gosto particularmente dessa ideia. Acho que penso muito como você. Fale mais sobre como chegou a essa concepção…

Há um livro que me fez refletir muito sobre o trabalho: ‘A Ética Protestante e o Espírito Capitalista’, de Max Weber. E eu tive oportunidade de comparar a Ética Protestante e a Ética Católica morando em duas cidades brasileiras, uma com colonização luso-católica (Itajaí) e outra com colonização teuto-protestante (Blumenau). Antes de morar em Blumenau, muito antes, eu já conhecia a cidade e a pesquisa que gerou minha dissertação de mestrado (feita em Itajaí) levou-me a comparar uma cidade com a outra. Com a informação na cabeça, também prestei mais atenção em certos países e percebi que nos EUA, por exemplo, a dedicação ao trabalho é uma forma de patriotismo. Percebi que o trabalho como forma de prestar contas a Deus (ou à Pátria) é muito mais eficiente, mais realizador e obtém mais resultados do que aquela pachorrenta execução de obrigações decorrentes de um castigo imposto pelo pecado. O trabalho realizado como punição é sempre odiado, sempre adiado, sempre visto como uma indignidade e gera comportamentos reativos, como a reivindicação de férias escandalosas de tão longas, a expectativa de remunerações estratosféricas e não condizentes com a baixa qualidade do serviço, o descomprometimento com a prestação do serviço, enfim, a farsa por profissão. A vida em Blumenau me permitiu ver no cotidiano aquela relação positiva com o trabalho de que trata Weber ao estudar os protestantes: comprometimento com qualidade, maior eficiência, melhores resultados.

Usando a metáfora de Antoine de Saint-Exupéry, se você sobrevoasse o Brasil à noite, que ‘pequenas luzes perdidas na planície’ mais chamariam a sua atenção?

Em 2003 visitei uma das feiras de Goiânia, não lembro se era da Lua, do Entardecer ou algum nome parecido. Penso que são pessoas daquele tipo que constroem o Brasil de hoje. Estas feiras, os aeroportos cheios de gente viajando de avião pela primeira vez, os vendedores que gostam de vender suas mercadorias, os empresários que perseguem o lucro decorrentes de inovações que satisfaçam os clientes, os prestadores de serviço que atendem bem os clientes, os servidores públicos que servem ao público e não se servem da coisa pública, os contribuintes que pagam seus impostos em dia, essas são as pequenas luzes que vejo perdidas na planície.

Sente-se realizado com o trabalho, hoje?

Uma vez, acho que foi João Saldanha quem disse, ouvi dizer que “um homem realizado é um homem morto”. Tenho medo de me sentir realizado. Acho meu trabalho muito agradável, lamento ter feito concurso aos 39 anos (poderia ter feito aos 24 ou 25) e acho que, no cargo de Procurador da República, se pode fazer muita coisa boa para o país, ou, pelo menos, para a sociedade à qual a se serve – que, afinal, é uma forma de servir ao país. São coisas que tornam agradáveis meu cotidiano profissional. Acho que sou bem pago pelo trabalho que faço (jamais consegui uma remuneração assim em outros empregos que tive) e que é agradável o serviço de que sou incumbido de fazer. Se isso é realização, posso dizer que sou realizado.

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“As bases culturais e espirituais da Civilização Ocidental, nosso berço mais importante, sofrem hoje sério risco de desabamento”. Leia a entrevista com Eduardo de Oliveira Rodrigues.

Situado entre o que é convencionalmente chamado de conservadorismo e liberalismo, Eduardo Rodrigues reconhece que já flertou com o socialismo na juventude, alimentando ideais de uma possível terceira via que na realidade, porém — segundo entende –, inclina-se cada vez mais à esquerda: “Somente na última década é que passei a ver o capitalismo mais puro e o livre mercado como a única alternativa que prestigia a liberdade, e com cada vez mais desconfiança o gigantismo e o intervencionismo estatal, que em verdade são modalidades perfumadas de socialismo”. Para ele, avesso ao progressismo, “o conservadorismo valoriza a permanência ou a continuidade dos aspectos fundamentais das instituições mais importantes da sociedade”.

Ouvinte do prof. Olavo de Carvalho, diz que as ideias do filósofo brasileiro lhe permitiram ver uma unidade de sentido por trás de diversos movimentos sociais ou científicos que aparentemente não teriam nada em comum, mas que porém constituem, pelo que há de comum entre eles, a ‘mentalidade revolucionária’ que, operando sob diversas formas, táticas e estratégias, busca em verdade combater e minar os valores fundamentais de todo Ocidente, cultivados pelo Cristianismo, pelo pluralismo e pelo liberalismo de livre mercado”.

Embora não veja o risco de que o MPF seja acometido em grande escala pela síndrome do pensamento único, Eduardo acredita que não estaremos completamente isentos desse mal enquanto nos apegarmos a uma leitura parcial e mesmo forçada de princípios constitucionais muito genéricos a título de fazer justiça a qualquer preço.

Fortemente interessado na história das instituições políticas, Eduardo não se omite em tentar jogar um pouco de luz nas discussões, muitas vezes obscuras — quando não simplesmente tenebrosas — que ocorrem entre os procuradores em nossa lista eletrônica.

Eduardo nos concedeu esta entrevista de Florianópolis, SC.

Veja o ‘dedo de prosa’ que trocamos com o colega em nossa quinta entrevista.

 

Você passou treze anos na PRM Blumenau. Removeu-se há um ano para a PRSC e trabalha com crimes do colarinho branco. Sentiu de algum modo o impacto dessa mudança?

Nas PRMs atuamos em todas as áreas; a diferença é que deixei de atuar nas ações civis de medicamentos: esse tipo de demanda em SC é muito alta, desde que o Tribunal de Justiça entendeu por remeter essas ações à Justiça Federal. Muitos pacientes recorriam ao MPF logo após saírem dos consultórios médicos com suas prescrições de medicamentos não padronizados, sem sequer verificar o fornecimento pela rede pública de medicamentos padronizados equivalentes ou genéricos. Há vários problemas nesse tipo de demanda, desde a representação pelo MPF ou pela DPU, até o direito subjetivo ao medicamento. Mas o maior problema é o Judiciário não criar filtros ou exigências bem claros para estabelecer esse direito material (de acesso a um medicamento não padronizado), fazendo com que haja um sistema judicial de saúde paralelo ao SUS, cujo critério central de acesso é o laudo médico afirmar que ‘tal medicamento é necessário’ ao paciente, sem maior indagação quanto a dois aspectos fundamentais: saber se o paciente havia esgotado as alternativas ofertadas tanto administrativamente pelo SUS, quanto as disponíveis no mercado (farmácias), daí a necessidade de se aferir a incapacidade econômica do paciente para suportar o tratamento. Há no TRF 4ª uma orientação que afasta a aferição desse critério econômico nas ações judiciais, refletindo uma visão estatizante do mercado de medicamentos, pois determina aos entes públicos a aquisição de medicamentos não padronizados a quaisquer pacientes, diante da mera afirmação de sua necessidade, conduzindo a uma evidente iniquidade, que só não é mais grave porque a maioria das pessoas têm bom senso e só recorrem ao Judiciário em caso de maior necessidade. Mas onde não houver esse bom senso? Se a Justiça mantiver esse entendimento de dispensar a aferição econômica, isso vai colapsar o sistema Judiciário e o sistema de saúde ao mesmo tempo, porque não pode haver sistema de saúde sustentável que conjugue simultaneamente a atenção integral e a gratuidade ao usuário.

O que caracteriza o conservadorismo político para você? Considera-se de alguma forma um conservador?

Entendo o conservadorismo – que defendo – como uma visão que aceita muitos aspectos do mundo “como ele é” (seria mais apropriado dizer “como ele foi”) e por isso não pretende modificar as regras do jogo a todo tempo mediante sucessivas experiências sociais e legais; assim, o conservadorismo valoriza a permanência ou a continuidade dos aspectos fundamentais das instituições mais importantes da sociedade, como os princípios morais básicos de respeito às pessoas (não matar, não roubar) e a suas diferenças (tolerância), a igualdade perante a lei, a liberdade de pensamento, de expressão, o valor social da família, da propriedade privada e do trabalho. O progressismo, por sua vez, tem uma meta social planejada (por isso forçada ou artificial) e para implantá-la procura desestabilizar alguma tradição ou minar as bases de uma ordem estabelecida, seja política, econômica, religiosa ou jurídica (haja vista o decreto dos sovietes, o mandado de injunção para criminalização sem lei, etc.)

No plano político, penso que o conservadorismo contemporâneo coincide com as bases de um constitucionalismo ou republicanismo (em que o governo é limitado pelas leis do parlamento; em que se admite a alternância no governo de grupos políticos diversos mas que compartilhem princípios de sociabilidade comuns) e por isso é bem diferente do conservadorismo dos séculos XVIII e XIX, ligado à defesa de hierarquias e de privilégios de classe (nem sempre porém associado a um monarquismo ou absolutismo). Nesse sentido o conservadorismo não rejeita que uma esquerda moderada (p.ex. PSDB, PMDB) exerça o governo, desde que isso não conduza a uma subversão dos papéis sociais normalmente atribuídos ao governo, às famílias, aos professores, aos empreendedores, e ao trabalho como forma de sustento, e do mérito pessoal como critério de habilitação (em vez de privilégios de berço, de sangue, de compadrio, de cotas raciais ou sexuais, e de tratar pais e professores como longa manus do governo).

Assim, o conservadorismo não aprecia mudanças radicais ou muito rápidas nas instituições sociais, nem aquelas impostas por grupos de vanguarda, porque aí há um descompasso ou ruptura entre os valores prevalentes nos diversos estratos sociais e a vontade de uma elite ressentida, normalmente inspirada numa visão de luta ou ódio entre ‘classes’, divididas por critérios de riqueza material (materialismo) ou mesmo raciais. O progressismo e o esquerdismo, inspirados pelo ideal de reduzir as desigualdades sociais (de riqueza, renda, prestígio, etc..) operam todos por meio da implantação forçada – criando atalhos e queimando etapas – da igualdade planejada (não apenas uma igualdade legal ou formal, mas sim econômica ou material), porque um processo natural (conservador) de mudança de valores sociais precisa de uma interlocução por osmose (isto é sem pressão) entre diversos grupos sociais e suas elites.

Já foi ‘comunista’ na juventude ou no começo da vida adulta?

Já flertei com o socialismo no início da faculdade, entre 87 e 89, quando fiz parte do grêmio estudantil e de um ‘grupo de estudos em sociologia jurídica’ liderado por um professor esquerdista da UFSC, pretendendo rivalizar com outro grupo mais institucionalizado e mais ‘chique’ que o nosso, pois estudava psicanálise, Escola de Frankfurt, etc… Mas esse período deixou uma marca importante em mim – da qual porém quero distância – pois consolidou uma visão positiva da social-democracia como terceira via (argh!), e de valorização do papel do Estado. Somente na última década é que passei a ver o capitalismo mais puro e o livre mercado como a única alternativa que prestigia a liberdade, e com cada vez mais desconfiança o gigantismo e o intervencionismo estatal, que em verdade são modalidades perfumadas de socialismo, e por isso mais palatáveis aos adeptos da terceira via. O problema é que o poder estatal é como um ser vivo, isto é, tende a se reproduzir e se fortalecer no interesse de seu próprio metabolismo e assim dominar toda a vida social. É preciso que haja uma tradição que imponha limites ao poder do Estado, porque os socialistas e sociais-democratas, artífices de um sofisticado sincretismo ideológico, sempre irão defender mais leis, mais estado, mais regulamentação e mais burocracia para qualquer problema social que despontar no horizonte de suas visões.

Como entrou em contato com a obra do prof. Olavo de Carvalho? O que ela representa para você hoje?

Conheci a obra de Olavo de Carvalho no final dos anos 90, lendo “Imbecil Coletivo”, redescobrindo-o a partir de 2012 quando baixei (pelo aplicativo ‘podcast’) os áudios de seu programa jornalístico ‘True Outspeak’, e nesses anos tenho ouvido mais de cem horas do programa (das mais de 500 disponíveis), que pode ser classificado como um soco no estômago do ouvinte (ele afirma p.ex. que a humilhação – entre debatedores, não entre professor e aluno – é uma das formas de aprendizado mais eficazes, e defende o “apostolado dos palavrões” como forma legítima de manifestação), além do site “Mídia Sem Máscara”, que reúne artigos de jornalistas e outros profissionais de linha conservadora.

A importância de Olavo de Carvalho tem sido fundamental, por duas razões: primeiro, porque apenas suas ideias me permitiram vislumbrar uma agregação de sentido em diversos movimentos sociais ou científicos que aparentemente não teriam nada em comum, como o iluminismo, o evolucionismo de Darwin, o materialismo socialista, o fascismo, o antissemitismo, o ateísmo, o islamismo, e nas últimas décadas o pacifismo, o ambientalismo, vegetarianismo, o sexo livre, a nova escola, a causa palestina; e a agregação de todas essas ideologias ou movimentos – o que há em comum entre eles – é que constituem uma “mentalidade ou movimento revolucionário” que, operando sob diversas formas, táticas e estratégias a pretexto de combater o capitalismo, seu inimigo imaginário, buscam em verdade combater e minar os valores fundamentais de todo Ocidente que são os valores morais cultivados pelo cristianismo, pelo pluralismo e pelo livre mercado (liberalismo), os quais são a base cultural e espiritual do que se pode chamar de Civilização Ocidental, nosso berço mais importante, e que está nesse momento em sério risco de desabamento – por obra e força dos principais movimentos revolucionários que são o islamismo e o socialismo, estando este último amplamente incrustado como um tumor nas instituições ocidentais (imprensa, universidades, igreja).

A segunda razão da importância de Olavo de Carvalho reside em nos fazer ver que Deus pode existir, que não está morto, como apregoam o materialismo e o cientificismo, e que essa experiência – a percepção do divino – embora pessoal e centrada no mistério fundamental, não exige fórmulas muito especiais nem rituais iniciáticos, sendo acessível à razão e ao espírito humanos. Falta-me conhecimento da Bíblia para avançar nesse tema, mas estou me convencendo de que a religião desempenha um papel muito relevante em qualquer instância da ordem política, inclusive a criminal (os comportamentos anti-sociais dos criminosos podem ser em boa parte levados à conta dessas crenças ou à falta delas). Muito me impressiona a banalidade da violência, não apenas a patrimonial urbana (roubo e latrocínio) mas especialmente a violência religiosa desses grupos islâmicos radicais. Nesse ponto, o jornalista Raymond Ibrahim tem a interessante opinião de que essa recente explosão de radicalismo (que não seria nova no Islam) corresponde, guardadas as proporções, ao que o movimento da reforma protestante representou para o cristianismo no séc XV, isto é, um desprezo pela tradição da Igreja e um apego maior ao texto da Escritura (‘scriptura sola’); ele sustenta que, com a disseminação física do texto sagrado e sua maior suscetibilidade a ‘leituras revolucionárias’, esses grupos (‘khawaridj’, ‘sem líderes’) acabam seguindo prescrições de extermínio de infiéis extraídas literalmente do Corão (p.ex. suras 8:12, 8:17 9:29, 9:111), as quais, porém – isso o autor não reconhece – parecem bem distantes das tradições consagradas pelo islamismo.

Para Richard Pipes, autor de Propriedade e liberdade, a “propriedade (…) fornece a chave para o surgimento das instituições políticas e legais que garantem a liberdade” e “enquanto a propriedade de certa forma existe sem a liberdade, o contrário é inconcebível”. O Brasil dos ‘coletivos’ e do Decreto n. 8.243/2014 vai bem, obrigado?

É verdade, embora a propriedade privada não seja responsável única ou imediata por prover liberdade aos cidadãos, e daí evitar o despotismo (devendo ser complementada por outras instituições jurídicas, civis e comerciais), sem ela não pode haver liberdade e democracia (ou seja, é necessária mas não suficiente) sendo inclusive considerada pelo autor mais importante que o voto direto. Pipes afirma, p. ex. que a refutação mais cabal da tese da propriedade comunal primitiva, ou seja, que nos primórdios da civilização o homem não conhecia a propriedade privada, mas apenas a propriedade comunal, veio de Fustel de Coulanges (A cidade antiga), que associou à religião primitiva, de culto aos antepassado, não apenas a propriedade privada (as divisas dos terrenos eram guardadas pelos deuses domésticos) mas diversas outras instituições sociais. Abro um parêntesis para lembrar que essa obra é bem difundida nos meios jurídicos catarinenses, tendo sido vivamente recomendada, na época da faculdade, por um professor muito atuante, inclusive motivando-me agora a relê-la. Há várias lições interessantes no livro de Pipes, p.ex, mencionando estudos sobre o senso de propriedade tanto em animais (em que um certo tipo de fêmea de pássaro não se torna sexualmente disponível se o macho não dispuser de um determinado abrigo) quanto em crianças, que manifestam senso de propriedade de objetos mesmo quando criadas exclusivamente no interior de comunidades que aboliram a propriedade privada.

Quanto ao Brasil dos ‘coletivos’ e do Decreto 8.243/2014, que institui conselhos populares em diversos órgãos ou entidades da Administração pública federal, não podemos dizer que vai bem. O só uso da palava “coletivos” no decreto já causa calafrio quando se vê o que isso significa no regime da vizinha Venezuela, onde “colectivos” constituem verdadeiras milícias armadas criadas para defesa do governo, compostas inclusive por infiltrados cubanos (como noticiou Graça Salgueiro no site midiasemmascara.org), que saem às ruas tripulando motocicletas com suas jaquetas camufladas e lenços vermelhos na cara, e cuja função precípua é atacar, aterrorizar, sequestrar e até matar pessoas que se manifestam publicamente contra o chavismo ou o governo Maduro, atuando criminosamente como as polícias políticas de regimes totalitários (a NKVD de Lênin e Stálin, a KGB) mas pior – sem hierarquia nem organização, num estilo bem bolivariano. Isso nos lembra uma proposta de emenda constitucional em curso, que propõe sob o belo nome de ‘fusão das polícias’, a desmilitarização das Polícias Militares. Talvez queiram isso mesmo: só os Exércitos dos Presidentes amigos da Pátria Grande (socialismo latino americano) terão armas, assim poderão atacar sem risco de resistência seus inimigos ideológicos. Onde já se viu, desarmar a esfera responsável pela segurança pública! (no nosso caso, o Estado-membro). Mas voltando ao decreto, o que quer o governo com ele, a pretexto de ampliar a democracia, é inundar a Administração pública com cargos a serem ocupados por seus apaniguados para garantir a perpetuação desse mesmo grupo no poder federal, ou ainda a turbação e a frustração da governabilidade de governos da oposição. Sim, porque, não havendo eleição popular para esses conselhos, seus ocupantes serão indicados por organizações da sociedade civil que já são dominadas por partidos socialistas, ou seja, o colégio de elegíveis já está comprometido com a causa socialista e antiliberal, independentemente do partido do Presidente da República, fazendo assim com que se incrustem perpetuamente na esfera federal de poder. Do pondo vista estratégico é um golpe muito bem dado, mas nada que cause estranheza, uma vez que já conhecemos o baixíssimo nível moral do grupo político que comanda há doze anos o Executivo federal: não são apenas corruptos, mas sim ‘ladrões de instituições’ (Reinaldo de Azevedo), como se viu no mensalão, no apoio a Cuba, Venezuela, Bolívia (todos amigos do narcotráfico) e às próprias FARC (deixando de considerá-la terrorista) e está se vendo agora com a Petrobrás e com esse malfadado decreto.

Você saiu da leitura de ‘Memória do mal, tentação do bem’, do búlgaro Tzvetan Todorov, com a sensação de que há uma identidade de fundo entre o comunismo soviético, o nazismo e o fascismo? O que essa leitura lhe acrescentou?

Nesse livro Todorov desnuda as semelhanças essenciais entre comunismo e nazismo e nos remete à experiência de escritores que inicialmente se envolveram com o comunismo soviético e depois não apenas romperam com ele mas também o denunciaram, e cujas obras revelam a trágica descoberta da maldade intrínseca de um regime que para eles sempre fora uma redenção, uma quimera, uma forma de paraíso. Sim, porque hoje em dia é primário e até banal condenar o socialismo, bastando acessar informações sobre sua violência abjeta e miséria moral. Mas nos 30 ou 40 do séc. XX, quando o socialismo estava em seu apogeu (especialmente a partir de 42 quando Stálin conteve o avanço de Hitler em Stalingrado) essa mesma percepção deve ser considerada heroica, porque aqueles escritores aprovavam esse regime e tiveram a coragem moral e intelectual de reconhece a ilusão de seu ideal. Todorov conta-nos entre outros o exemplo de Margarete Buber-Neumann, uma comunista alemã aprisionada por Stálin no campo de Karaganda, e, após o início da II Guerra, entregue aos nazistas na Polônia dividida e enviada ao campo de Hitler de Ravensbrük; a dificuldade da intelectualidade de então – e de hoje ainda – em associar o totalitarismo comunista com o nazista pode ser observada quando, sendo Margarete libertada em 45, e conseguindo um emprego de professora em Frankfurt sob domínio americano, foi-lhe permitido revelar os horrores do campo nazista, mas com a sinistra condição de que nada poderia falar sobre o campo de concentração comunista de que também tinha sido prisioneira e sobrevivido (uma rara condição). Daí se vê a dualidade com que o ocidente tem tratado o totalitarismo nazista por um lado (‘memória do mal’) e o socialista por outro (‘tentação do bem’), e a condescendência sempre devotada pelos intelectuais em geral ao socialismo soviético apesar de sua irmandade com o nazismo. Comparando os dois monstros totalitários, embora pareçam ter raízes ideológicas distintas – o nazismo inspirado num exclusivismo racial e nacionalista, e o comunismo numa universalidade da classe social trabalhadora – ambos os regimes têm em comum a essência de promover acima de tudo a opressão do indivíduo e sua submissão ao interesse do estado; talvez tivessem visões distintas do funcionamento da economia (os comunistas suprimindo a propriedade privada e atribuindo ao governo sua planificação, e nazistas admitindo a propriedade privada formal, mas impondo aos empresários toda a organização da produção), mas no aspecto político e social ambos os regimes propunham a supremacia da uma coletividade (raça, classe social e mesmo a nação) diante da vida dos indivíduos. Valeram-se ambos do terror como método de subjugar o inimigo, com o mesmo objetivo de promover o extermínio em massa (ora das classes proprietárias, ora dos membros de uma raça), e mesma tática dos campos de concentração (muito mais difundidos na URSS). Todorov concede que depois da morte de Stalin o extermínio puro e simples (se é que se pode falar assim) foi substituído pela sabotagem profissional e opressão política dos inimigos, mas leciona, distinguindo esses totalitarismos do humanismo, que a gramática desse último sempre foi conjugada com o ‘eu’ e o ‘tu’ dotados de autonomia, e o ‘eles’ como o outro; ao passo que na gramática totalitária, são conjugados apenas o ‘nós’, suprimindo a autonomia individual, e o ‘eles’ catalogado como inimigo a ser vencido e abatido.

Sente que o MPF corre o risco, em alguns anos, de ver os colegas nivelados por um pensamento único? Se sim, como imagina que essa situação possa ser evitada?

Se há um risco de pensamento único no MPF, num mau sentido (porque há uma esfera nuclear de valores que devemos positivamente compartilhar), não vejo tal risco numa grande escala, já que nossa instituição é formada por uma elite de profissionais não apenas tecnicamente capazes mas também capazes num sentido político ou de prudência (isto é, de aquilatar as consequências sociais das decisões jurídicas que ajudamos a estabelecer); mas penso também por outro lado que uma determinada sede ou avidez por fazer justiça, muitas vezes nos apegando a uma leitura um tanto parcial ou mesmo forçada de princípios constitucionais muito genéricos (p.ex. princípio democrático, da dignidade humana, da proteção dos ecossistemas), atribuindo-lhes poderes tais que, se devidamente pressionados contra determinadas normas jurídicas (apoiando-se mais em doutrina estrangeira, ‘mais avançada’, do que na nossa tradição jurídico-política), são capazes de solapar institutos jurídicos estabelecidos (p.ex. casamento, propriedade), o que se encaixa no que qualificamos como progressismo – isso de fato pode sim conduzir a uma espécie de pensamento único em torno de perseguir ideias (ou, pior, metas) progressistas, como p.ex. a de que a Constituição já fornece ao legislador todas soluções possíveis de regramento e ele – legislador – não tem espaço de decisão, somente lhe cabendo concretizar a vontade constitucional que se supõe ter previamente estabelecido o píncaro da evolução social. Essa tentação de fazer justiça acaba atingindo mais cedo ou mais tarde qualquer profissional jurídico, como nós e os juízes, e pode realmente fazer prosperar entre nós uma visão de que quanto mais interferimos (o Estado ou o Judiciário) nas relações sociais – desde que imbuídos do propósito de proteger determinados grupos considerados vulneráveis – mais justas serão essas mesmas relações dali para frente. Para contornar essa tendência, penso que apenas a tomada de consciência individual acerca do nosso papel e das instituições político jurídicas em que estamos inseridos pode contribuir, através de estudo e pesquisa, mas também através do bom debate que temos visto na nossa rede de discussão.

 

Links de interesse:

“O poder político brasileiro está nas mãos da esquerda e a oposição consiste em outros partidos de esquerda”. Veja a nossa terceira entrevista, com José Lucas Kalil.

Nascido no interior de São Paulo, ele já esteve só em uma Procuradoria da República com atribuição sobre um milhão de pessoas e cerca de setenta municípios, no Vale do Mucuri, em Minas Gerais. Após trabalhar com as diversas etnias indígenas daquela região — entre elas o sofrido povo indígena Maxakali –, José Lucas acredita que “a FUNAI não tem pessoas, recursos e firmeza suficientes para a missão que lhe incumbiram”. Crê, também, que o Estado tem sido complacente, por exemplo, no caso dos infanticídios que acontecem em algumas etnias.

Hoje prefere ouvir a fazer música. Quando foi músico amador, chegou a tocar com sua banda na Finlândia. Crítico exigente, não tem gostado muito do rock que vem sendo feito a nível mundial — que dirá, então, do rock nacional… “As coisas que escuto atualmente são meras variações do que já existia, ou coisas feitas pelos mesmos músicos cujas carreiras remontam aos anos 70, 80 e 90”.

José Lucas encontrou na crítica política do prof. Olavo de Carvalho uma ressonância das ideias que já havia amadurecido dentro de si. Apesar de seu temperamento pacato, foi firme em manifestar suas convicções sobre a participação do Ministério Público Federal no jogo político-ideológico atual: “A cúpula do MPF é de esquerda. Os trabalhos que poderiam ser feitos com o intuito de deixar o Estado onde o Estado deve estar, e tirar o Estado de onde o Estado não deveria estar, possivelmente não teriam respaldo”.

Apesar de tudo, não se considera um conservador em sentido estrito. “Nunca fomos perfeitos a ponto de ser necessário ‘conservar’ algo. Democracia é a palavra-chave para aquilo que eu acredito”.

Lotado anteriormente em Rio Branco, AC, Uruguaiana, RS, Bagé, RS, Pouso Alegre, MG, Paracatu, MG e Teófilo Otoni, MG, José Lucas removeu-se recentemente para Guarulhos, SP, de onde nos concedeu esta entrevista.

 

Você trabalhou em três regiões muito diferentes de Minas Gerais: Pouso Alegre, Paracatu e Teófilo Otoni. Minas é um ‘país’ desigual? Como a atuação do Ministério Público nessas três localidades reflete essas diferenças?

Que Minas é um Estado desigual não há dúvidas. Eu costumo dizer que Minas é uma miniatura do Brasil. Há regiões que, de costumes, sotaques, preferências (musicais e futebolísticas, por exemplo), mais se parecem com alguns Estados vizinhos do que propriamente com o cerne do Estado. As próprias microrregiões de Minas têm diferenças internas gritantes, inclusive de clima, vegetação, infra-estrutura, presença ou ausência do Estado, etc. Uma mudança de lotação em Minas Gerais, como as que experimentei (Pouso Alegre, Paracatu e Teófilo Otoni), equivalem a uma mudança de emprego. Cada lotação possui problemas peculiares endêmicos, cada qual causado por suas próprias características também peculiares. Por exemplo: Teófilo Otoni e, especialmente, Paracatu possui muitos problemas referentes aos assentamentos do INCRA, coisa que não existia em Pouso Alegre. A região de Teófilo Otoni possui significativa população indígena, que não existia em Paracatu. O trabalho na região do Sul de Minas envolvia outros aspectos, como a ocupação humana agressiva em unidades de conservação e a criminalidade urbana (com muita moeda falsa, descaminho e crimes tributários, por exemplo). Mas há problemas sempre presentes em todo o Estado, como mineração clandestina, malversação de recursos públicos e direitos básicos da população não atendidos.

Na inauguração da sede da PRM Teófilo Otoni em 2013, você disse que a função do Ministério Público é ‘melhorar o mundo’. Acredita que nossa atuação, hoje, tem cumprido essa função? Se sim, como isso tem ocorrido?

Temos feito nossa parte, ainda que algumas vezes timidamente. No momento, a atribuição de um procurador da República para um milhão de habitantes, mais de 60 ou 70 municípios, como foi meu caso em Teófilo Otoni e em Pouso Alegre, faz como que não consigamos atuar no tempo e no modo e que muitas vezes sequer tomemos conhecimento de alguns fatos que deveríamos atuar. Nos três anos e meio que permaneci em Pouso Alegre, creio jamais ter sequer pisado em algumas dezenas de municípios da jurisdição, e, em alguns outros, passei poucas horas.

No MPF, você chegou a atuar em matéria indígena. Hoje que está profissionalmente distante da questão, como avalia a atuação da FUNAI? Vê a política indigenista brasileira com bons olhos?

Me pareceu que a FUNAI não tem pessoas, recursos e firmeza suficientes para a missão que lhe incumbiram. O índio é um cidadão que tem os mesmos direitos que outros cidadãos. Falta aos municípios, aos Estados e até mesmo à União entendê-los dessa forma e provê-los do necessário para que possam exercer esses direitos. Há algumas situações, no entanto, que tem contado com complacência indevida do Estado, como é o caso dos infanticídios que acontecem em algumas etnias.

A PRM Guarulhos é conhecida pelo volumoso acervo de processos criminais contra pequenos traficantes de entorpecentes presos em flagrante principalmente no Aeroporto de Cumbica. Parece evidente que o combate ao tráfico de entorpecentes não tem sido eficiente, principalmente porque não alcança os grandes traficantes e financiadores. Você acredita que a abordagem dessa questão pelo Direito Penal deve ser melhorada? Ou já é preciso pensar em novas formas, exclusivamente extrapenais, de enfrentar o problema?

A droga passou a ser a mãe de todos os outros crimes. É cada vez mais comum encontrar um roubo, um furto, uma violência, onde a droga não esteja como causa ou consequência.

Se há muita prisão de pequenos traficantes é justamente porque muitos conseguem passar. Enquanto a vigilância e a repressão for vacilante, o crime infelizmente vai sempre compensar. A teoria do conserto da janela quebrada, normalmente chamada no Brasil como “tolerância zero” ou “lei e ordem”, quando em prática, se mostrou mais eficaz do que a complacência que regula o nosso sistema jurídico penal atual. Inclusive para obstar o grande traficante.

Você acredita que a historiografia acadêmica conta toda a história? Seu interesse pela obra de Erich von Däniken indica que não…

Há falsificadores da História por todos os lados; nós vemos isso diariamente, com o endeusamento de algumas figuras que deveriam ser vistas como maus exemplos. Quanto ao Erich von Daniken, sou cético, eu gosto de ler as possibilidades e depois procurar por que desconstrói essas versões. Mas, há coisas que parecem doidas, mas que fazem mais sentido do que as versões trazidas pelos historiadores ortodoxos.

Além de apreciador de hard rock, você já fez parte de conjuntos musicais. Chegaram a se apresentar em shows? Na sua opinião, o rock está morto no Brasil hoje?

Sim, tive algumas bandas, nos apresentamos em público (certa vez fiz um show em Helsinque, no aniversário de casamento de um dos membros da banda), mas nunca duraram muito tempo ou foram promissoras. Sou melhor em ouvir do que fazer. Nunca me dispus a praticar de fato.

A música no Brasil está morta. Não há significatividade a longo prazo de absolutamente nada que eu conheça que esteja sendo feito no Brasil atualmente. Nem a médio prazo. A música que foi feita nos anos 60 e 70, creio eu, será ouvida por gerações e gerações. A que fazem hoje não tem o mesmo potencial.

Não tenho gostado muito sequer do rock novo a nível mundial. As coisas que escuto atualmente são meras variações do que já existia, ou coisas feitas pelos mesmos músicos cujas carreiras remontam aos anos 70, 80 e 90.

Você já disse que ‘O Imbecil Coletivo II’ foi o provavelmente o livro mais interessante que você já leu. O que mais lhe chamou a atenção nele? Você acompanha o trabalho do prof. Olavo de Carvalho?

O mais interessante é a correta crítica política. O autor colocou no papel coisas que eu já havia concluído, mas que eu acreditava estar sozinho. Acompanhei por um tempo o trabalho dele, em especial o Blog Talk Radio, mas o trabalho dele é mais profícuo do que aquilo que eu consigo acompanhar.

O país assiste há alguns anos o crescimento de um movimento conservador. Você tem acompanhado esse ‘renascimento’? Interessa-se por algum aspecto especial das discussões políticas que daí vêm surgindo? Acredita que de alguma forma o MPF pode se beneficiar desse debate?

Pelo que eu vejo esse crescimento conservadorista é muito pequeno. O poder político brasileiro está em geral nas mãos da esquerda e sua oposição consiste em outros partidos de esquerda. Não vejo grandes diferenças entre um ou outro. As forças econômicas brasileiras, que poderiam se contrapor, parecem não se importar. Sou pessimista demais. A cúpula do MPF é de esquerda. Os trabalhos que poderiam ser feitos com o intuito de deixar o Estado onde o Estado deve estar, e tirar o Estado de onde o Estado não deveria estar possivelmente não teriam respaldo.

Não gosto do termo ‘conservacionista’, até porque nunca fomos perfeitos a ponto de ser necessário ‘conservar’ algo. Democracia é a palavra-chave para aquilo em que eu acredito.

 

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