“Iniciar a carreira em Tabatinga foi uma experiência excelente, que marcou a minha vida e deixou saudades”. Veja nossa entrevista com Flávia Torres.

Quando a Flávia decidiu que queria ser procuradora da República, ela só tinha um problema: ainda não havia começado o curso de Direito. Na ocasião, ela trabalhava como técnica administrativa na PRMG e foi positivamente surpreendida pelo resultado concreto que um simples ofício que assinou na condição de Secretária Executiva da PRDC teve na vida de um cidadão necessitado de atendimento do poder público.

Desde então, longo foi o seu caminho, longas foram suas esperanças. Aprovada no 26º concurso, Flávia foi trabalhar na PRM Tabatinga, unidade que simboliza o rito de passagem a que são submetidos os procuradores da República recém-empossados. Hoje lotada em Sinop, MT, Flávia diz ter saudades da experiência que teve na fronteira com a Colômbia e acredita que a instituição ganharia muito se o trabalho dos novos procuradores e dos servidores lotados em locais de difícil provimento fosse melhor compreendido e valorizado. Pensando nisso ela vem desenvolvendo um projeto de trabalho em benefício dessas PRMs.

Com a experiência de quem já foi servidora por muitos anos, Flávia acredita que “para ser líder, mais do que ser chefe, é preciso ter empatia, disposição, saber ouvir e não ter medo de deixar que as pessoas cresçam e que seus talentos apareçam. Acho que um bom chefe é aquele que cresce junto com sua equipe, que colhe junto com ela os louros de seu sucesso e assume por ela as consequências de seus erros”.

Turista apaixonada e ciclista por vocação, vem explorando com os amigos os circuitos europeus. Já explorou a região de Provence, no sul da França, e a Rota Romântica, na Alemanha. Foi entre uma pedalada e outra, e cercada pelos procedimentos da PRM Sinop, que Flávia nos concedeu esta interessante entrevista. Confira os pneus de sua bicicleta e nos acompanhe neste nosso 16º ‘dedo de prosa’ — em cima de duas rodas em algum ponto ensolarado da rodovia que liga Sinop, MT, a Governador Valadares, MG.

 

Você foi técnica administrativa do MPU por muitos anos, Flávia. Lembra-se do momento em que decidiu prestar o concurso para procurador da República?

Lembro-me bem desse momento, Bruno. Eu era chefe da Secretaria Executiva da PRDC em Minas Gerais, setor que depois passou a se chamar SOTC – Secretaria os Ofícios da Tutela Coletiva, atualmente DTCC. Isso foi lá pelos idos de 1997. Ao atender um jovem agricultor, que tinha vindo do interior para Belo Horizonte, que estava com cacos de vidro nos olhos em razão de um acidente, com risco de perder a vista, e que não estava conseguindo marcar a cirurgia pelo SUS, enviei um ofício, eu mesma assinando como Secretária Executiva da PRDC, e conseguimos, então, fazer com que ele fosse atendido e a cirurgia agendada para a mesma semana. E então eu percebi a força, o poder que essa instituição, o “Ministério Público Federal”, tinha para fazer a diferença na vida das pessoas. E resolvi que queria ser procuradora da República. Só havia um pequeno problema: eu precisava fazer antes o curso de Direito (rsrs!), pois era formada em Publicidade. Fazia dez anos que havia terminado o segundo grau. Fiz então um cursinho preparatório para o vestibular, cursei os cinco anos de Faculdade na UFMG e, desde que me formei, fiz todos os concursos para procurador da República. Além deles, fiz somente os de analista do MPU, pois não queria sair do MPF. Até que, enfim, não sei se por insistência, sorte ou merecimento, passei no 26º concurso, após quase ter desistido ao ser reprovada na prova oral do 24º CPR.

Que história, hein…  Como você vê essa questão: tornar-se procuradora da República foi uma decisão sua ou, mais propriamente, a aceitação de um ‘chamado’?

Bom, na linha do que eu disse, acho foi um misto dos dois. Quando entrei no MPF como servidora, em 1994, eu costumava dizer que era um karma. Eu tinha feito o concurso sem conhecer a instituição, achava horrível o clima que então reinava na PRMG, e estava só esperando ser chamada no Banco do Brasil para sair do MPF. Com o tempo, convivendo com alguns servidores e procuradores que muito me inspiraram, vi que na verdade tinha sido o destino. Mas eu tive que me esforçar, suar e insistir bastante (kkkk) para que esse destino se cumprisse.

A propósito, é verdade, Flávia, que para ser chefe é preciso ter sido, antes, um bom funcionário?

Para ser chefe, basta simplesmente ser nomeado como tal: seja por seus belos olhos, seja pelo reconhecimento de seu trabalho. Agora, para ser um bom chefe é fundamental que você seja um bom funcionário, pois eu acredito piamente que o melhor incentivo para sua equipe seja o exemplo. Além disso, para ser líder, mais do que ser chefe, é preciso ter empatia, disposição, saber ouvir e não ter medo de deixar que as pessoas cresçam e que seus talentos apareçam. Acho que um bom chefe é aquele que cresce junto com sua equipe, que colhe junto com ela os louros de seu sucesso e assume por ela as consequências de seus erros. É aquele que confia na equipe e aquele em quem a equipe confia. Também é preciso saber cobrar, incentivar e elogiar nos momentos certos.

A PRM Tabatinga simboliza para nossa carreira o sacrifício que os colegas – uns mais, outros menos – devem suportar no início da vida institucional. Você passou por lá… Acha que a má fama da PRM Tabatinga é justa?

Bruno, é óbvio que se pudesse ter optado realmente, a PRM Tabatinga não seria a minha escolha — apesar de não ter sido minha última opção, diga-se de passagem! Mas, sem querer cair na demagogia, iniciar a carreira como procuradora em Tabatinga foi uma experiência excelente, que marcou a minha vida e, acreditem ou não, deixou saudades! Acho que só passando por uma unidade assim, num local distante do “Brasil” — são 1000 km em linha reta de Manaus, rsrs! –, é que a pessoa pode realmente dizer que conheceu uma outra realidade, um Brasil que muitas vezes é esquecido por todos.

E acho importante ressaltar que se os procuradores da República que passam por esses lugares, como muitos o fazem, é preciso dizer, se eles começarem a ver sua atuação nesses rincões como uma oportunidade de dar uma contribuição valiosa — e não apenas como um “castigo” pela sua classificação no concurso, um tempo para espiarem seus pecados e depois nunca mais se lembrarem –, e começarem a ser valorizados por isso, essa visão vai mudar. Por esse motivo estou preparando um projeto relacionado a essas PRMs de difícil lotação ou provimento, preocupada principalmente com os servidores que lá são lotados — esses, sim, com muito mais sacrifício.

Tutela coletiva ou crime: o que mais a anima a trabalhar?

Bruno, quis ser procuradora da República por causa da tutela coletiva. Acho assim: criminal é obrigação; tutela coletiva é vocação! É a área em que realmente o MPF pode fazer a diferença, ser proativo, e até criativo (rsrs!). Claro que, muitas vezes, nos frustramos com os resultados negativos! Mas fala aí se a sensação não é indescritível quando conseguimos um resultado positivo?

Sente que nosso concurso e o curso de formação ajudam o recém-empossado a enfrentar as atividades de uma PRM?

O nosso concurso exige muito conhecimento teórico e pouco conhecimento da prática de atuação de procurador da República. Isso parece ter mudado nos últimos concursos, em que se tem pedido nas provas dissertativas que sejam elaboradas peças, e não apenas que se respondam questões discursivas. Vejo uma preocupação cada vez maior da ESMPU com os cursos de formação, de modo a que realmente eles possam ajudar o recém-empossado a ter um pouco mais de conhecimento prático para sua atuação. Mas, na minha opinião, o mais efetivo seria um período de convivência maior com os colegas que já estão atuando nas unidades, para que o recém-ingresso tenha um apoio maior e mais segurança para depois assumir o leme. Especialmente nas PRMs, em que é lotado apenas um ou no máximo três procuradores, normalmente todos recém-empossados e muitas vezes sem qualquer conhecimento prévio sobre a dinâmica do MPF. Isso, aliado ao fato de que em muitas PRMs, principalmente as de difícil provimento, os servidores também têm pouca ou nenhuma experiência, trazem para a instituição sérios problemas que na minha opinião estão sendo subestimados.

Na sua última viagem, você percorreu 300 km de bicicleta. Não é um desafio para iniciantes, certo? Conte-nos essa façanha…

Você está por dentro, hein, rsrs?! Como ficou sabendo?!

Eu tenho minhas fontes…

Bom, realmente, viajar e pedalar são duas grandes paixões! Eu já viajo planejando, pelo menos, mais outras duas viagens! Poder unir as duas coisas é sensacional, e mais fácil do que parece! Eu também achava, antes, que tinha que ser ciclista “quase” profissional para poder fazer uma viagem sobre duas rodas — e sem motor, que fique claro!

Mas uns amigos mostraram que não é assim. E, agora, pretendo fazer pelo menos uma viagem por ano combinando esses dois prazeres.

Já fiz duas viagens assim: na primeira, fizemos a Rota Romântica, na Alemanha – distância total de 450 km — mas ninguém do grupo pedalou tudo isso. Para não ficar muito pesado, principalmente em razão das bagagens, a gente aluga uma van, e a cada dia de viagem, uma dupla fica responsável por dirigir essa van até o destino seguinte, levando a bagagem de todo mundo. A gente fez a Rota Romântica em nove dias, numa média de 50 km por dia. A princípio parece muito, mas o trajeto era quase todo plano, e a gente vai parando, conhecendo as cidades, curtindo a paisagem, tomando umas cervejas pelo caminho (rsrs!). Na primeira viagem, éramos sete amigos ciclistas!

Na segunda viagem, este ano, fomos para o sul da França, na região da Provence! Maravilhoso! A distância total percorrida também foi por volta de 450 km, e o grupo aumentou: éramos onze! Mesmo esquema, revezando as duplas que iam na van, os demais pedalando! Região linda! Pedalamos entre plantações de girassóis e de lavandas, cidadezinhas fantásticas, a comida e os vinhos, , não dá nem para descrever!!! Nessa viagem, não havia uma rota pré-definida de bicicleta, como era o caso da Rota Romântica. Então eu mesma montei o roteiro, tentando colocar o máximo de lugares fantásticos para conhecer! Passamos alguns sufocos, em trechos com muita subida e umas trilhas furadas obtidas no Google Maps. Um amigo achou que era trilha para bike, mas percebemos — tarde demais — que era mais para trekking! Acabamos tendo que carregar as bikes em um trecho que parecia não ter fim — menos de 5km, na verdade (rsrs!) — quase escalando uma montanha, no meio do mato. Mas é justamente isso o que faz as viagens inesquecíveis e extremamente prazerosas (depois do perrengue, é claro! kkkk). Terminamos a viagem, já aí todos de carro, percorrendo a Cote D’Azur.

Esses roteiros estão patenteados? Pode passar para os amigos?

Sim, eu tenho os roteiros montadinhos, com distâncias, cidades, hotéis, etc, para quem quiser se aventurar, de bicicleta ou mesmo de carro. Gasta-se menos tempo de carro, é óbvio. E já estou planejando a viagem do ano que vem.

A propósito, você levou sua bicicleta para Tabatinga?

Levei minha bicicleta para Tabatinga, andava nos “Quilômetros”, que é uma estrada em Letícia/Colômbia, de 20 km, que liga nada a lugar nenhum (rsrs!). Levei um tombaço lá, faltando quinze dias para a viagem da Alemanha, em setembro de 2013, machuquei feio a perna. Ainda tenho a cicatriz para me lembrar de que atenção nunca é demais. Mas me recuperei a tempo de pedalar na Rota Romântica.

 

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